quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Cadê sua mochila?

Eu voltava para casa quando te vi. Eu na janela, você na calçada. Eu de roupa social, sapatos e cara de cansada, você de camiseta azul com o nome no peito. Era Renan? Não lembro. Eu tive pouco tempo. As pessoas desceram rápido e o motorista não esperou eu terminar de olhar. Ele precisava ir, mas eu...queria tanto ficar. Engraçado, você. Sentado, braços abertos, estendidos. Suas mãos seguravam a grade que apoiava o seu corpo, lembra? O que a grade cercava? Você sabe? Era verde, extensa e fazia a segurança de um prédio branco, baixo, que eu não sei o que é e você, sabe? Hei, menino, você sabe?
Eu só consegui olhar para você, pro teu nome escrito a canetinha no branco da etiqueta escolar. Mas cadê a sua mochila, menino? Você não tá com nada para anotar? Cadê a lancheira e a régua pra marcar? Você não trouxe nada? Eu posso ver só os seus olhos e sua pele negra, é o que consigo olhar. E pelo que vejo, não há nada do seu lado, além das mulheres que continuam conversar. Alguma delas é sua mãe? Ou está sozinho? Mas alguém deveria te cuidar, afinal não tem mais de nove anos. Agora eu vou ter que te deixar, pq. o motorista já vai, tá? Antes disto, só preciso saber. Cadê sua mochila menino? Ela deve tá em algum lugar. Vai procurar! De onde onde você tirou a paz que você me dá? Ã? O meu sorriso, eu te dou, se você jurar que vai guardar.
Até de repente, menino.
Feliz Ano Novo todos.
Por Natália Oliveira

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Feliz Natal

Era uma fila sem fim. Uma fila que tomava conta de todas as faixas da avenida, um mar de pneus, de janelas, de carros com ondas em formatos diferentes. Era noite. E noite. Noite de um domingo, depois das dez. Dia em que as pessoas se guardam, se fecham, se entregam às camas, ao desanimo, ao despertador programado. Dia em que os semáforos geram medo no vazio, dia em que os percursos, por mais pequenos que sejam, são boas e inovadoras estradas. Mas...algo estava diferente ali.
Não chovia, o clima era ameno. O céu estava azul, sem estrelas e, para falar a verdade, se tinha lua, não lembro. O que não foge a minha memória é o tempo em que fiquei ali, parada. Foram mais de duas horas para dar a volta, para fazer a curva que, em outrora, faria em cinco minutos. E não dava para fazer nada além de esperar, os motoristas cruzarem o pedaço de rua que restava. E eles faziam da maneira mais devagar que podiam, mais lenta. Outra coisa estranha. Não existiam buzinas. As pessoas colocavam a cabeça para fora a todo momento e se olhavam com uma satisfação singular.
Em busca de resposta, me aproximei da janela, ao meu lado, em outro carro, uma família. Eram cinco rostos redondos de olhos puxados, dois mais vividos, os outros ainda infantis. As janelas estavam sujas, mas pude ver bem o garotinho que se esforçava para ficar entre os mais velhos, no meio. Com as mãozinhas pequenas segurava o encosto dos bancos da frente e mantinha o corpo ereto, o mais próximo da janela, o máximo que podia. Lá dentro estava escuro, mas as luzes brilhavam coloridas e, por algum momento pensei que a explicação de tudo aquilo estava ali, naquele menino.
Seguimos, ao ritmo contrário das luzes da árvore de Natal, construída no meio da cidade, do caos. Seguimos devagar, no ritmo do encanto daquela criança que dizia um pouco do Papai Noel. Algo estava diferente ali.
Feliz Natal!
Por Natália Oliveira

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Ao meu motivo, sua breve história II

Hoje encontrei Creusa. Estava no banco da frente com a mesma calça jeans de outrora, marcando os ossos, como da outra vez. Sentei ao seu lado e ela me explicou a beleza da blusa que vestia, de linha, listras coloridas, cores claras. A patroa havia dado, os calçados de plástico também. Apressou em me dizer que não ligava para a moda, vestia o que tinha, já que o importante mesmo é não deixar os filhos com a barriga seca e a casa sem água e sem luz. Casa que sempre tem um “café digno e que não causa vergonha a ninguém”.
Vergonha tem a filha de usar usado, quer uma roupa nova para passar o Natal. Disse a Creusa que os Shoppings estão lotados e ela respondeu que Santo Amaro também. A menina, de 13 anos, precisará escolher entre as que tem, a mais jeitosinha, já que a peça nova só vem no ano que vem, me falou Creusa. Creusa que não tem luxo, que começou a trabalhar com 9 anos e que tem usado as férias do emprego, para ajudar a mãe de sua patroa nos cuidados da casa, de outra casa. Digo o óbvio, “é cansativo, né?” e ela responde com um sorriso tímido. “É, mas eu sou pai e mãe”.
Hoje não me esforço mais para lembrar do seu sorriso, hoje ela olhou para mim, de frente. Pude ver, então, os dente amarelos em cacos, espaçados. Os olhos pequenos e puxados que quase se fecharam quando suas mãos tocaram meu joelho. Pude ver a garra no seu rosto magro quando me disse que guarda o seu nome com todas as forças que tem. Respondi com euforia, que o que levamos desta vida é o que a gente é na vida. Concordamos.
Dei o sinal e ela me disse: “conheci uma menina muito legal”, olhei no fundo dos seus olhos, sorri. Antes de desçer, uma ideia. "Existem coisas na vida que se precisassem de razão, perderiam todo o sentido..." Em pé, já na porta, olhei para Creusa, ela mexia discretamente as mãos e fitava algo além da janela. Estava longe, pensava.
Por Natália Oliveira

sábado, 19 de dezembro de 2009

Ao meu motivo, sua breve história

Eu pedi emprestado, depois de ter ensaiado mentalmente. A distância entre um ponto e outro me ajudou na organização das palavras. Pensei, até, em conversar com o fiscal antes, mas ele estava rodeado de gente e por um receio maquiado de bloqueio me contive. Parei na fila já formada em frente a placa que dizia Vila Natal e pedi pra primeira moça. “Será que você tem 55 centavos?” Era baixa, cabelos pretos, pele manchada. Me encarou desconfiada. Expliquei. “Trabalho aqui perto”. Ela disse que passaria o cartão, lhe estendi as moedas que tinha. Disse que não liberaria duas passagens, era de empresa. Lamentei. E ela completou o valor.
Duas semanas depois, passei a catraca de um outro ônibus, que peguei no mesmo lugar. Desta vez não voltava, mas ia ao trabalho. Existiam vários bancos desocupados, mas escolhi o que aquela senhora sentava. A conhecia de outra viagem, de vista. Alta, tinha os cabelos crespos ralos e presos, era muito magra, tanto que os ossos marcavam. Tinha na pele um tom negro desbotado, sem cor. Pela fragilidade aparente ou por qualquer outro motivo inexplicável desejava uma conversa com ela. Ainda assim, sabia que o tempo era curto e que o assunto faltava. Seguimos viagem, eu com os meus pensamentos, ela não sei. Pude perceber apenas que mexia com as mãos discretamente, como se quisesse passar o tempo, seus dedos eram grandes e finos.
Alguém deu sinal, o ônibus parou e como de costume lancei um olhar aos recém-chegados. Entre eles, uma mulher baixa, cabelos pretos, pele manchada, conhecida. Esperei que sentasse perto de mim, procurei por minha carteira dentro da bolsa e agradeci por não ter gasto os últimos trocados na banca de doce. Arrumei a cédula na mão e virando o corpo para trás agradeci. “Você me emprestou uma condução um dia, que bom te ver, poder devolver.” Ela me disse não lembrar, a ajudei. Recusou então, eu insisti até aceitar, ouvi uma história sobre um empréstimo semelhante que havia feito e virei pra frente, assim como antes. Lá estava a mulher, ao meu lado.
Não demoraria a chegar, caso não tivesse trânsito. O motorista era ágil e parecia ter pressa, foi sobre isto que trocamos as primeiras palavras. Entre elas e as tantas outras um espaço de minutos. Respondia minhas perguntas como se eu já soubesse de sua história, deixando sempre o mais importante com detalhes. “Creusa.” Tem três filhos e um relógio que a desperta todos os dias às cinco da manhã. Depois de arrumá-los pra escola embarca no primeiro de três ônibus que a levam ao emprego, onde entra às 11h00. A saída da casa de família é às 17h00 da tarde, mas só chega em sua casa às 23h00 da noite. Não me disse se aceita ou recusa a oferta da patroa. “Ela sempre diz pra eu pegar alguma coisa, pq. fico muito tempo no ônibus”. Sei apenas que a minha aceitou, quando perguntei se gostava de maçãs.
Antes de descer, pude ver os seus olhos, quase de frente, eram grandes e redondos, desenhados por sobrancelhas finas e ralas. Vestia uma blusa vermelha gasta e mexia as mãos discretamente. Apertei o sinal e levantei, desci, mas não antes de me despedir e contemplar algo que ainda me esforço pra lembrar: seu sorriso.
...por qualquer outro motivo inexplicável desejei uma conversa com ela. E quando a tive preferi a sua história ao meu motivo.
Por Natália Oliveira

domingo, 13 de dezembro de 2009

For All

Tava vazio. Sentei num dos primeiros bancos depois de passar a catraca. Era banco preferencial, mas não tinha ninguém apto a usá-lo ali. Arrumei a bolsa no colo e procurei por um pacote de bolacha que não lembro de ter terminado. Não achei. Alimentei a ansiedade com alguns pensamentos sobre a noite, já passava das dez e eu não procurava por carona, como de costume, tinha tido coragem, enfrentava, sozinha, o medo dos noticiários. Me sinto mais viva quando consigo olhar pra cidade de perto, estava feliz por isto.
Não lia, apenas esperava e me entregava as cenas do dia, nas paradas lançava olhares aos recém-chegados. Algumas antes do meu destino, ela entrou. Vestia uma calça bege clara, uma bota preta de bico e salto finos, uma blusa decotada na mesma cor. Percorreu o caminho curto, entre a porta e o cobrador, em passos desequilibrados, bambeados e por um momento a julguei embriagada. Passou a catraca, mediu e encarou o homem que dormia encostado na janela. Subiu os degraus internos do transporte e em seguida deixou seus pés voltarem ao chão. Seu celular tocava e com uma expressa dificuldade atendeu.
Tinha os cabelos loiros tingidos, enrolados, curtos. Magra. Estava acompanhada por uma da mesma idade, só que mais encorpada, cabelos avermelhados, blusa florida, colo a mostra. Sentaram juntas, atrás de mim. Na minha frente, um acrílico que refletia mal o rosto da primeira. Desde então, participei da conversa, como ouvinte, distante. Falavam sobre a ligação recebida a pouco. A dona do celular dispensava palavras em voz alta e olhava constantemente para o lado oposto, como quem procura por público. A franja tampava parte de seus olhos pintados de preto, os fios estavam molhados.
O assunto era cada vez mais animado. “Ai eu falei pra ele, você só pode ser um anjo. Ai ele respondeu: ‘você tá dizendo que eu sou um anjo?’ é, no meio desta homarada feia aparece você, bonito, cheiroso.” “É tão gostoso homem cheiroso, né?”. “É. Com certeza. Eu namorei com um menino que tinha o cabelo arrepiadinho – ela fazia gestos com a mão para ilustrar – cheiroso, magrinho, uma delícia”. “Ai, homem magro é tudo. Eu adoro”. Antes de descer, pude ouvi-las mais um pouco. “Ele ficou me olhando e eu nem ai. Ai depois de um tempo ele chegou e a gente dançou, quando acabou ele disse: “Valeu. Você dança bem e eu: ‘aé?’. “Tá certo deu uma de joão sem braço, né?”.
Antes de me encontrar com a calçada, uma última imagem, tinham rugas nos olhos e, agora, trocavam receitas sobre pele flácida. Comigo, chutei uma idade. Nada, mas certamente eram mais velhas que minha mãe. Mas eu não me importava, em busca da minha cama, só pensava em minha casa.
Por Natália Oliveira

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Amiga de Mim

Eu tenho amigos quarentões que se divertem com bolas de chiclete e comem coxas de frango com a mão. Às vezes tem as mesmas aflições que eu, às vezes queixas infantis, por mim superadas a tempo. Tenho amigos mais novos que me ensinam coisas que demorei anos para entender e que me trazem a maturidade esquecida em alguns cantos da sociedade. Tenho amigos com a mesma idade que não aparentam a idade, outros nascidos a pouco tempo que já mostram linhas de maturidade.
Eu tenho amigos que mais brigo, outros que mais brinco, outros que mais converso. Tenho amigos de conversas fúteis, outros de profundas e filosóficas e outros que são tudo, tudo que preciso e que dispenso. São completos. Alguns moram longe, mas mesmo assim os vejo com frequência, alguns de tão perto escapam dos horários, dos combinados. São amigos corridos, de horários, de tratos. São amigos que podem marcar e desmarcar quantas vezes precisarem, são suficiente amigos para isto, no final das contas a gente sempre entende. Aliás, às vezes sou eu que escapo.
Eu tenho percebido que tenho amigos de todos os tipos, é tanta variedade que nunca me falta um sorriso, um abrigo, um abraço. Mas ando em busca de alguém diferente de todos os conhecidos, alguém confidente, alguém mais presente, alguém mais eu. Uma amiga que me veja com menos olhos acusadores, com menos manuais, menos cobrança, menos relatórios de desempenho. Amiga para ouvir os meus erros, amiga para enxugar as minhas lágrimas, amiga para me deixar descansar, quando eu só pedir isto. Amiga. É isto que me falta, é isto que me desejo, é isto que prometo pra mim. Ser mais amiga de mim.
Só me falta uma coisa no meu grupo de amigos, contar com a minha amizade pra mim, contar com a minha paciência pra mim, ser a cópia do que os meus amigos são pra mim incorporado no que eu sou, mas desta vez de eu pra mim. Só me falta um sorriso, um abrigo, um abraço meu, de eu para mim. Só me falta a compreensão, o colo, o conselho, mas principalmente, a cumplicidade, mas desta vez, de eu pra mim. A partir de hoje, mais amiga de mim.
Por Natália Oliveira

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Buraquinhos

Não foi estampado nas páginas dos jornais e nem pautou uma coletiva, mas foi uma descoberta cientifica e valiosa. Foi algo que percebi depois de anos vividos, momentos passados, dias inteiros mal compreendidos, foi algo que encontrei num momento sozinha, pensando comigo.
Posso contar a você se jurar não falar a alguém que tem um amigo que tem um amigo. Posso contar se não deixarem publicar ou discutirem em estudos de universidades ou motivar conversas entre velhinhos de asilos. Promete?
É que...Promete? É que...Olha lá em? É que meu coração tem buraquinhos. Pronto, falei. Muitos deles. Tantos que tudo que eu sinto vaza. Todos os sentimentos que me invadem espalham. Os buraquinhos não deixam o coração guardar tudo e tudo que eu sinto minhas mãos, meus olhos, minhas pernas e até minha barriga sentem também.
Eu não posso ver um amigo querido, um livro bem escrito, uma lembrança inesperada, um sonho acompanhado, que o meu coração bate forte e vaza. Ele não consegue guardar tudo e logo minhas mãos tremem, os olhos marejam, as pernas bambeiam e a barriga aperta. Tem muitos buraquinhos esse meu coração! Pronto, falei.
Agora cumpre sua promessa e não conta pra ninguém. Pq. se falar a alguém que tem um amigo que tem um amigo, alguém pode querer me pegar para operar e eu quero continuar com os buraquinhos, quero continuar sentido o que meu coração sente em todos os cantinhos, em tudo de mim.
Por Natália Oliveira

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Tá topado

Você não sabe quanto tempo te esperei. Quantas noites de sono, olhos inchados, boca seca de tanto desabafo. Você não sabe quanto tempo te esperei aparecer num cavalo branco, cheio de flores, chocolates e corações dourados. Sonhei com os seus olhos, com seus abraços e até com os nossos passeios num lago calmo.
Sonhei com o seu sorriso e o teu afago. Imaginei as suas mãos junto as minhas tremulas de emoção ao receber o pedido de namoro inesperado. Sonhei acordada com o sonho nosso, sonhei com uma noite ao seu lado. Sonhei.
Até que um dia te encontrei todo invertido. Você não tinha os cabelos penteados e nem o sorriso alinhado. Você era diferente do que quis. Era tímido, nada sociável e nem tinha um cavalo branco, só dinheiro para improvisar um lanche mal recheado. Você não era o meu sonho, era o lado mais torto, mais atrapalhado.
Na busca por um perfeito esbarrei em você e na batida de ombros as ilusões, os sonhos e os desejos certos caíram como cadernos desenhados. Olhamos para baixo e passamos por eles num passo só, rumo ao boteco de cadeiras de plástico, onde joguei coca-cola de canudo no seu rosto nada barbeado.
E desde o nosso tropeço que descobri a falta de graça em encontros. Gostoso mesmo é o tombo, a topada. A sutileza tem mais a ver com princesas e estrelas em coroas e tudo isto não vai bem com água, grama e guerras de travesseiro. Delicadeza enrosca, embaraça complica. Bom mesmo é ser menina com unha feita e bola no pé, mulher com batom na boca e rosto sujo de tinta. Feminina em tudo, mas moleca na maior parte.
Desde então te escolho todos os dias para ser a soma do meu incerto. A multiplicação do meu todo torto. Te escolho para ver a minha garganta gigante numa risada indiscreta. E confesso, desde que te topei, o meu mundo tá mais inacabado do que antes e este, certamente, é o motivo da minha felicidade constante.
Na busca por alguém se apaixone perdidamente por você. E quando encontrar, não se esqueça: ainda que sejam diferentes, todo mundo tem um torto para oferecer.
Por Natália Oliveira

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Graças aos Problemas Alcançados

Tenho agradecido imensamente todos os problemas alcançados. Nada que me motive estampar faixas, andar em meio aos espinhos descalça ou deixar de comer chocolate. Nenhum sacrifício, tortura ou coisas do tipo. Tenho apenas agradecido de coração os problemas alcançados por ter a oportunidade de resolvê-los.
Tenho dormido sem dedos apontados. Tenho dormido com o tamanho real dos meus problemas, sem diminuí-los ao ponto de sofrer o invisível, nem aumentá-los ao ponto de ficarem maiores que eu. Tenho deixado as formas como estão, sem cores fortes ou apáticas, tenho tido coragem para admirá-las no mesmo tom. E tenho percebido que quando faço isto deixo os meus olhos livres para encontrar a solução.
Tenho me permitido entender que problemas existirão para sempre e eu posso resolvê-los um de cada vez. Não há pressa que me apresse e nem prece que resolva se a disposição não for boa e minha.
Tenho percebido que problema só é problema pq. a gente não sabe lidar. Tenho percebido que a cada vez que preciso resolver algo, preciso resolver primeiro parte de mim e sempre que topo, elimino o conflito na primeira etapa.
Tenho agradecido imensamente todos os problemas alcançados. Tenho percebido que problema só é problema pq. a gente não sabe lidar.
Por Natália Oliveira

domingo, 18 de outubro de 2009

Frase

Gosto de escrever coisas que nem pensei, mas gosto mais de ouvir explicações do que não escrevi. Enquanto houver disposição em conhecer o desconhecido haverá saída. Por Natália Oliveira

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Di tudo

Às vezes coisas tão maravilhosas me acontecem que quando as conto me perguntam: é verdade? E eu respondo com a mais profunda alegria privilégio ou mistério, eu vivi.
Molhei a barra da calça em busca do terceiro ponto de ônibus indicado. Parei junto às pessoas que esperavam feliz por contar com o toldo vermelho da loja de doces, os pingos caiam grossos e o guarda-chuva recém-comprado não dava conta de todos. Sequei o rosto com as mãos, olhei no relógio o horário do atraso e confirmei, com a senhora ao meu lado, “aqui passa terminal Santo Amaro?”. Ouvi, num desespero contido, a resposta. Tentei mais algumas opções, mas ela tinha cabelos brancos tingidos de castanhos, olhos caídos e uma só direção. Não sabia.
Agradeci e enquanto a ouvia se desculpar uma outra senhora me puxava pelo braço. Seus cabelos eram crespos trançados rentes à cabeça, as mechas se fundiam no preto e no branco e a distância entre uma fileira e outra era colorida por um marrom forte, num tom de chocolate. Seus olhos pareciam dois lagos negros grandes serenos e redondos e sua boca carnuda abria e fechava sem parar. Ela me dizia que sabia como eu faria para chegar. Esperei ela falar. Explicava, ditava o caminho e depois me segurava pelo braço com cuidado.
Antes de responder a primeira bateria de palavras, a vi se metendo no meio da chuva, então reparei nos seus pés calçados de meia e sapato aberto. Vestia uma calça gasta azul e uma blusa que cobria seu braço estendido. Tentei me aproximar, mas ela pediu para que eu ficasse ali, não podia me molhar dizia. Trocou algumas palavras com o motorista e logo em seguida me chamou. Entramos juntas e depois de um tempo sentamos assim. Logo chegamos ao terminal de ônibus conhecido aos meus olhos. Descemos.
Agradeci e disse que dali conseguiria. Ela não aceitou. Me puxou pela mão e me levou até o homem que vestia uniforme. Ouvimos tudo, entendi tudo, agradeci tudo de novo, ela quis me levar. Caminhávamos em direção ao próximo ponto, ela na rua eu na calçada. Não me deixava trocar. Mancava, pedia desculpas, tinha problemas no osso, mas não escondia o sorriso. Sorriso sobrado por poder ajudar. Buscaria uns remédios para um doente depois de me deixar. Já perto me entreguei e voltei dos seus braços sem deixar de perguntar. “Seu nome?”. Diná.
“Natália”, respondi e comecei a andar. Alguns passos e ela gritou num tom baixo. “Vai com Deus Natália”. E eu pensei, mas como se acabei de te deixar? E quanto ao mundo, posso te dar para você cuidar?
Às vezes coisas tão maravilhosas me acontecem que quando as conto me perguntam: é verdade? E eu respondo com a mais profunda alegria privilégio ou mistério, eu vivi.
Por Natália Oliveira

domingo, 4 de outubro de 2009

Férias de Mim

Hoje deixo ela ir, sem perguntar onde vai. Hoje quero que vá, que não se preocupe, que não se pergunte onde quer chegar. Hoje quero que ela vá. Quero que vá sem avisar, sem ligar, sem anotar para onde foi. Quero que vá na falta de certeza, na vaga ideia, na ausência de beleza. Quero que pegue o primeiro caminho, a primeira proposta, a primeira resposta. Não! Que não pegue nenhuma resposta. Que vá e que se perca e que ande no meio de tudo sem tocar nada.
Quero que se perca e se ache e que se encontre e que colecione possibilidades e que volte sem regras, sem visões cansadas, sem imãs de nada. Quero que vá. Quero que vá e que na volta, volte sem muitos desejos, sem muitos anseios. E que volte com a certeza que é pequena e que não a mal em ser assim. E que tudo que é muito escorre pelos dedos. E que encontre em si a força dada de graça.
E que veja tudo andando bem por aqui, mesmo sem seus olhos vigiando tudo, e que não é ela que gira o mundo, apesar da bondade do gesto. E que antes de voltar, perceba alguém que estende os braços e que olha todo mundo, enquanto ela tira férias de si. Para mim.
Por Natália Oliveira

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Só crianças crescidas

Eu comia chiclete do chão, escorregava de bunda no barro e me perdia em latas de leite condensado. Detestava vestidos e qualquer coisa que me impedisse de subir em árvores. Me confundia quando me chamavam de sorriso e não de Natália.
Tinha pânico de matemática. Não gostava dos números, das expressões, das divisões. Certa de que precisaria deles para fugir das broncas paternas, passava tardes e tardes comendo chocolate em pó debruçada em livros. Com o tempo decidi que saberia o suficiente para conferir o troco da padaria. Nada foi como planejei.
Encontro hoje números em tudo. Dizem sobre dias de vida, sobre calorias, afirmam jovens e velhos. Separam. Números no relógio, números de beijos no rosto, números de desculpas, números de perdão, números de tentativas. Números limitam!
Em lousas eles existem, quase sempre. Mas ontem ela estava tampada por um branco criativo. Na sala palavras, pirulitos e chocolates. E depois de tanto tempo, esqueci do tempo, dos números e do troco da padaria. Descobri momentos de alegria, com algumas crianças crescidas.
Por Natália Oliveira

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Nada Passageiro

Estava cheio. Ainda assim avistei um lugar vago no fundo. Sentei e, como de costume, me perdi em linhas impressas, escritas. Um metro me separava de costas queimadas, blusa branca regata, sorriso com dentes brigados e escassos. Boné. Cabelo preto sem forma amarrado num laço frouxo, mãos com unhas grandes, pintadas de um esmalte, visivelmente, velho, descascado. Apoiada na barra de segurança próxima a porta, estava. Segurava entre os pés uma cesta cheia de balas. A percebi em um olhar rápido atravessado por uma divisória de plástico transparente.
Vestia uma calça jeans azul e um olhar perdido. Não sei por onde andavam os seus pensamentos , mas sei que voltaram ao ônibus no mesmo momento que os meus. Negro, cabeça raspada. Calça de moletom, camisa. Nas mãos uma caixa de papelão cheias de doces, na cintura uma bolsinha preta discreta. Na boca um grito em forma de pergunta: “tá vendendo aqui?” O corpo da mulher se virou e eu percebi seus olhos pequenos e pretos num rosto notavelmente constrangido. “Não. pode vender.” “Mas já vendeu?”. Não eu sabia, “não” ela respondeu. “Então daqui que eu vendo para você.”
O homem assumiu o lugar perto da catraca e descreveu os produtos que levava com tamanha vontade de vendê-los. Falava das “balas de coco feitas de leite-condensado, embaladas manualmente da amiga aqui...”. Enquanto isto, a mulher sentava em uma das poltronas recém-desocupadas. Inquieta, dizia a senhora de corpo gordo, cabelos alaranjados e roupa chamativa que “não tinha coragem de vender no ônibus. Tinha vergonha.” A outra por sua vez dizia a ela algumas palavras de incentivo. “Você não pode ter receio, está trabalhando.” Momentos depois, o negro voltou com as mãos cheias de moedas. Entregou-as a mulher e desceu.
A viagem continuou, cheia de curvas e pedidos. Os passageiros da frente pediram mais dez balas
, os de trás mais dois reais. A cada mergulho nas embalagens, uma promessa. “Eu vou vender no ônibus. Não preciso ter vergonha, né?” perguntava à senhora. “Sabe o que eu vou fazer? Vou comprar uns saquinhos, colocar as balinhas. Ai eu amarro umas fitinhas e vendo, né?”. A senhora concordava e a cada mastigada pedia mais duas, três. “Ou melhor dá umas dez para eu levar pros meus filhos”. Quando desci do ônibus a mulher prometia que venderia no ônibus, em frente ao metrô. Falava com euforia e mal percebia que a cesta estava quase vazia.
“A única maneira de eternizar a minha vida é investir na sua vida.”
Por Natália Oliveira

sábado, 19 de setembro de 2009

A grife é você

Eu entrei no mundo que o passaporte é o sorriso. Onde nem precisa RG, onde o único dever é ser você. Lá o brilho do sol, é o brilho do rosto que vem da garganta, de dentro. Onde ninguém mata ou pede tempo.
Lá a menina de roda pode andar, a senhora gordinha modelar e o cabelo crespo molhar. É onde o cego enxerga o coração, o surdo é maestro e o mudo sabe falar de tudo. É o lugar que o violão toca sem parar e o menino se permite dançar.
Não existem escolas, mas existem escolhas e lá todo mundo decidiu ser livre de si. As pessoas se doam, se entregam e se cuidam e é incrível como ninguém fica sem cuidado. É todo mundo bem olhado.
Elas se juntam nas praças e se abraçam em milhares de braços. Jogam baralhos, gargalham e trabalham muito menos que nós. Elas plantam, colhem e comem por fome, só. Não sustentam vícios, dizem que ser feliz, é ser assim.
Lá não tem moda. A grife é viver do simples, é brincar com a vida e tudo que precisa existir para dar sentido não vale. Lá é diferente daqui. Lá se pula da cama, se aceita, se topa. Lá lambuza com morango, com conversas, com elogios, com água de cachoeira.
Lá não estuda até ficar velhinho, mesmo sem saber o que quer ser. Lá ninguém diz o que tem que fazer. Lá o único dever é ser você. Eu passei por lá e agora conto para você. E se não puder viajar, eu invisto em você!
“Vida eterna é aquela que não acaba com a morte”
Ps: Baseado em ilusões reais.
Por Natália Oliveira

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

A gente se cuida

Em meio às desculpas e licenças alcanço uma poltrona no final do ônibus. Com uma mão guardo meu bilhete único recém-vazio, com a outra surge Fiódor Dostoiévski e Memórias da Casa dos Mortos. O livro é atraente e cheio de mistérios, antes de abri-lo, guardo as moedas que garantirão minha passagem no final da tarde. Me entrego à história.
Ao longe, de quando em quando um apito surdo avisa a parada. As pessoas sobem, descem, conversam, gargalham e reclamam, eu leio. Concentrada na Festa de Natal dos presos, não percebo a entrada do homem de sua sacola. “Atenção senhores passageiros”, ele grita. Finjo não perceber, mas ele continua. “Fui drogado. Ninguém acreditava em mim, mas a PROLIB apostou em minha vida”. Continuo olhar o livro sem me atentar a uma única palavra.
“Hoje estou curado, hoje cuido de outros viciados, hoje trago a vocês uma cartão que não tem valor. Você podem pagar o que quiserem por ele”. Fechei o livro. “O dinheiro será revertido para salvar vidas” Afundei os dedos no bolso e, sem pensar muito, levei às mãos dele, as minhas últimas moedas.
Horas mais tarde sai do trabalho. Um leve desespero tomou conta do meu peito, a falta de dinheiro. Ainda assim, dei sinal. Atravessei o curto corredor e a catraca me barrou. Afastei na inútil tentativa de saber o que fazer. Ao longe, de quando em quando um apito surdo avisava a parada. Mal pude ouvir quando disseram.“Vem moça, eu passo para você, você tá perdoada!”.
Vamos montar um mundo que você cuida dele e eu cuido de você. Se você acreditar que é possível eu posso confiar em você.
Por Natália Oliveira

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Bora conversar?

A maquiagem já sabe o tom da bochecha e o cabelo promete se comportar. Os meus pés sabem por onde caminhar e o frio na barriga não demora a pintar. A energia garante a descida pelas escadas curtas e o sol já vem me esquentar.
É assim quase toda sexta-feira, quase toda para acabar. O ambiente muda em segundos, não demoro a me achar em meio aos estúdios, é em um deles que vou gravar. O cenário é pintado de azul, o meu convidado de branco e camarelo. Para iluminar ainda mais o nosso sorriso, as luzes se põe a ligar.
E eu já sei que é hora de gravar. Não demora muito a acabar, papo bom de gente grande não tarda a passar. Mas eu aprendi que tudo nesta vida é pessoal, inclusive o Marketing, que não é nada mal. E para você que não viu, assiste o Canal Universitário, que a gente passa lá! É só se informar.

À minha amiga e companheira de trabalho, Rosângela Cianci.

Ps: Todas as sextas-feiras, às 15h00, ao vivo, no canal universitário - 11 da Net e 71/187 da TVA.

Por Natália Oliveira

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Falávamos de?

“Enquanto eu viver continuarei procurando o sentido da vida.” Já vi esta frase em mais lugares do que gostaria. E já tentei conversar com o autor em mais sonhos do que noites bem dormidas. E ainda a encontro na minha musculatura, no meu dia-a-dia.
A verdade é que a vida não tem o menor sentido mesmo. Investimos a maior parte do nosso tempo estudando e no final das contas até que conseguimos alguma coisa. Somos graduados em marketing pessoal, pós-graduados em etiqueta, mestres em bons negócios e doutores em equilíbrio de crises financeiras, mas quando o assunto é felicidade, autênticos analfabetos.
Conseguimos memorizar todos os talheres, mas não sabemos como comer uma coxa de frango com a mão. Fazemos planejamentos estratégicos, mas nos perdemos quando o assunto é idealizar um final de semana divertido com os amigos. Alcançamos posições de status, mas não somos modelos para as crianças mais sedentas de heróis. Apresentamos soluções para a economia mais complexa, mas somos incapazes de lidar com o dia-a-dia que só pede simplicidade.
Somos poliglotas, mas não há quem nos faça entender a língua dos idosos. Vivemos no exterior, mas mal conhecemos o nosso interior, não sabemos rir das nossas viagens. Nos entregamos para toda a informação do mundo, mas somos indiferentes aos fatos familiares. Especialistas em leitura dinâmica, mas leigos nos sinais do amor. Encontramos alternativas para o sucesso, mas não evitamos o fracasso de uma vida mal vivida.
Temos artifícios para sermos considerados super inteligentes, mas nenhum para sermos considerados sábios.
E quer saber? A vida não tem o menor sentido mesmo. E já como não há tempo de voltar e já como ciclo não há de parar “desce um suco de laranja e uma porção meia arrependimento e meia esquecimento.” Do que falávamos, mesmo?
Por Natália Oliveira

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Já viu?

Você gasta o seu dinheiro com o que?
Pois eu vou te contar que você pode deixar todas as suas moedas no bolso e contemplar o céu. Ele traz um azul de vários tons e uns brancos fofos, que dá vontade de pegar. Se der sorte, pode presenciar a mais linda faixa colorida já tecida.
O auditório não é muito estruturado, mas a ventilação é boa, às vezes traz até uns pingos de água. Refrescante. E se você ficar com frio, é só procurar um cantinho pintado por um amarelo morno.
As cadeiras não são de madeiras e nem estofadas, são retas de um mesclado verde e marrom. São modernas, você tira os sapatos e mexe os dedos para sentir leves cócegas. Têm também alguns pilares marrons, com o topo verde. [Quando ninguém tiver vendo, abrace-os e sentirá uma gostosa euforia.]
O aroma vem de umas flores. De todas elas. Diferentes, mas não sem cor. São pequenas e trazem na sua delicadeza toda a grandiosidade. Para não se sentir sozinha, eles soltam alguns pequenos bicudos de asas. Eles conversam sem parar.
Você gasta o seu dinheiro com o que?
Pois eu vou te contar que você pode deixar todas as suas moedas no bolso, seu sorriso no rosto e nem precisa se trocar. É só contemplar.
Por Natália Oliveira

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Além do pecar

Eu aprendi algo que alguém aprendeu com outro alguém. “Pecado é aquilo que a gente faz contra a gente mesmo”. Todas às vezes que errei, deitei com o meu erro. Fui eu que agüentei os meus pesadelos, o meu peso. Por mais que magoei, fui eu que carreguei o saco de lágrimas, de choro reprimido, de arrependimento. Fui eu todas às vezes que carreguei.
Quando julguei, fui eu que me desfigurei. Me desfigurei da ideia que eu também posso falhar. Quando eu julgo incorporo a filosofia da perfeição e tudo que é 100% certo, tem a mesma quantidade de ilusório.
Pecado é aquilo que eu faço contra mim. Contra os meus conceitos, contra a minha vida. É a sensação de que a conseqüência tem um peso que eu pouco posso suportar e que eu vou precisar carregar. O meu erro é contra mim. O seu contra você. E isto não tem nada a ver com religião e sim com carne e coração e a sua lingufaca de cortar. É só pensar.
Por Natália Oliveira

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Pode?

Se a gente soubesse que tudo é tão rápido.
Se a gente soubesse que tudo é tão raro.
Se a gente soubesse que a gente só tem uma.
Se a gente soubesse o verdadeiro “invalor”.
Se a gente soubesse que vale mais um sorriso.
Se a gente soubesse a dor do menino.
Se a gente pudesse inverter tudo.
Se alguém pudesse nos inverter.
Se a gente pudesse aprender com alegria.
Se a gente pudesse errar sem sofrer.
Se a gente pudesse fazer o que tem que fazer.
Se a gente pudesse realmente viver.
Se a gente pudesse não complicar.
Se a gente pudesse se entregar.
Se a gente pudesse parar de pensar que pensa.
Se a gente pudesse só fazer o que tem para fazer: viver.
Se a gente pudesse.
Se a gente desse.
Por Natália Oliveira

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Medo. Estava confesso.

Medo. Eu estava, confesso.
Desci no terminal de ônibus, como combinamos, há uma hora antes do combinado. Para preencher o tempo fui ao banheiro, acompanhei levas e mais levas de passageiros, li parte do meu livro. Deu tempo para eu me arrepender de gastar o único dinheiro que tinha em bolachas ao invés de pães de queijo. Até que você chegou.
Quando te vi, senti que você trazia o suficiente para você e para mim, por isso, não havia motivos para desistir. Ainda assim, eu estava com medo, confesso. Subimos as escadas próximas e logo estávamos na rua. Já tinham mudado o tom da noite, bem mais escura. Desviando dos desconhecidos, segui suas pernas pequeninas, já tão habituadas com aquele caminho.
A nossa próxima parada era um ponto cheio, de gente, de bancas, de churrasco, de pressa com cheiro de cigarro. Mudamos de cenário, quando um ônibus lotado parou. Nós subimos. Encontramos um espaço dentro do estreito e no ritmo das lombadas travamos uma conversa animada. Há tanto tempo sem se ver, nada melhor do que falar sobre o que a gente escreveu.
O motorista corria e eu, de tempos em tempos, aproveitava para olhar o que me cercava. Não demorou para andarmos sobre aquela paisagem que nada parecia com uma chácara. O ônibus dava nome a um lugar que não existia. O que eu via eram casas e um beco de paredes pixadas, logo o atravessamos.
Saímos em uma avenida, pouco movimentada. Alguns metros mais e chegamos. Percebi que toda aquela ausência de gente, faltava naquele lugar. Redondo, cheio de cadeiras, mesas, livros e sorrisos, percebi que ali tinha música, tinha violão, tinha famílias inteiras. Ali batia um monte de coração. Ali, naquele lugar, era o Zé do Batidão, a sede da Cooperifa.
Atravessamos a multidão e alcançamos um lugar na escada lateral, que tempos depois ficou lotada. Meus olhos passeavam nos rostos, nos jeitos, mas principalmente em tudo. Sentia uma ânsia de engolir aquele clima de paz, uma vontade de gritar para todo mundo que ali tinha mundo. Não sabia explicar a explosão de sentimentos, a surpresa, por isso alguém fez isso por mim. “Quando todo mundo espera bala perdida aqui, a gente faz poesia”.
E a prtir de hoje eu não quero só a minha poesia de muros, de surtos, de preconceitos absurdos. Eu quero a literatura do black, do moleque, da senhora de leque. Eu quero a garra, a fuga das amarras. Eu quero acreditar que dentro do mundo, não existem sub-mundos, existem Raimundos e Edmundos e eles também querem viver.
E ainda que me sobrem impressões maravilhosas, eu me calo. "O silêncio é um prece".

À Dayse, meu pequeno sol e a cooperifa e seus poetas marginais. * Aspas de Sérgio Vaz*

Por Natália Oliveira

sábado, 8 de agosto de 2009

De volta para mim

Acordei, não feliz por ser sábado. Um cansaço misturado a uma boa parcela de angústia e medo despertou comigo. Sem motivos aparentes e sem coragem para descobri-los, deixei minha casa para um dos compromissos combinados durante a semana.
O sol estava quente, o cigarro dos desconhecidos esfarrapados ao meu lado também. Passei por eles sem me atentar a dor que traziam na alma. O cinza e preto da calçada dançavam em meu olhar. O tom do chão se estendia para os prédios antigos, há algum tempo restaurados. Entrei em um deles.
A palestra não demorou para acabar e nem o meu ônibus para chegar. Aproveitei as revistas, recém-ganhadas e encurtei a viagem lendo-as. Matérias interessantes, Ruy Castro. Por um momento esqueci do meu coração que batia apertado, dos meus olhos ansiosos para ficarem marejados. Meu ponto.
Abri a porta de casa com um desejo incontrolável de deixar tudo que me sufocava do outro lado. Não deu. Atravessei a porta de novo e afundei o botão térreo. Segui a um esconderijo gramado, cheio de forma, que deixaram nascer em meio aos prédios e concreto, daqui. Ali, naquela terra marrom, de verde e rosa, só tinha eu.
Deitei. O céu estava azul claro e eu podia sentir a temperatura do amarelo em meus braços. O som dos pássaros enchiam os meus ouvidos e em minha companhia conversei com eles. Com os joelhos flexionados, mexi os dedos e senti leves cócegas. Um latido sereno, de longe, se mostrava presente. Naquele momento, a natureza me dizia algo.
Me senti à vontade para olhar para mim. Tantas dúvidas, angústias e medos. A cada contato com o meu "eu" um pequeno desespero. Em meio a tantas perguntas sem respostas, um olhar para a pintura sem moldura. Diante de tudo aquilo, nada fazia muito sentido.
Sentei. Alcancei pequenas pedrinhas, que repousavam em minha volta. Fechei os olhos e desejei a presença doce e serena do pintor daquele quadro. Senti que era a hora. Um a um, joguei todas aqueles pedaços brancos. Cada lançamento, um pensamento. Minhas mãos ficaram vazias, meu coração também.
Com uma leveza singular, sai dali. Me encontrei minutos depois numa, das dezenas, piscinas infantis que tem por aqui. Molhei os pés, as canelas. Deixei a água lavar as minhas expectativas, os meus desejos sem fundamento. Deixei ela levar embora todas os meus sonhos alheios, deixei.
Atravessei o portão de ferro. Uma vontade enorme de rir tomou conta dos meus lábios. A alegria brincava comigo e não me deixava enxergar a roupa levemente, suja e molhada. Voltei para casa tempos depois, amiga do universo. Satisfeita. Diante da imensidão, nada faz muito sentido.
Por Natália Oliveira

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Cuma? Não Obrigada!

A cada dia que saio sinto que me atrasei. A cada novo lugar me pergunto pq. demorei. A cada esquina desperto para minha escassez. A cada conversa penso nas coisas que falei.
A cada porta fechada uma memória. A cada canto do mundo uma história. A cada segundo um olho que chora. A cada passo uma velha senhora.
E o mundo não para, mesmo que eu grite. Mesmo que a dor se agite. Mesmo que a cada segundo morra alguém de meningite. E quem liga? Que nasça outra Brigite!
E a cada sabor novo, uma sensação diferente. E quem só come sopa, pq. não tem dente? É crime para quem mente? É salvação para inadimplente?
Lave as mãos com água, sabão e detergente. Olha a gripe suína ai gente! Nada de espirrar no rosto do amigo ou do parente. Aproveita e escova o dente!
Se não tem mais fretado, diga adeus ao penteado. É todo mundo apertado. É ombro a ombro, lado a lado.
Coesão? Dispensável para quem tem coração. Para quem come arroz, feijão e mamão. Pros anormais de plantão.
É bobeira. Não é rosa nem trepadeira, é macieira. É solteira, sorveteira e marketeira. Não gosto de mexeriqueira.
Destino sem rumo. Obrigada não fumo!
Por Natália Oliveira - Participação especial - Mulher Vã

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Só por hoje

Depois de tantas palavras ditas, venho provar das minhas. As letras que me pediram, que esperavam, que me clamavam...neste momento estão cheias no prato que hoje eu preciso me servir. Chegou o momento de mergulhar no oceano de conselhos e me entregar às ondas de incentivo. Chegou a minha hora de se reinventar, de tentar de novo, de pescar. O instante de jogar as redes no mar e por cansar de esperar, aprender a nadar, é agora. É este, é o momento.
Não há canoas ou barcos, neste segundo preciso confiar nos meus braços. Não há faróis, nem sinal de lâmpadas, agora quem dita a luz é o brilho dos meus olhos, do fio dos meus sonhos. O amargo está na boca que grita a força, que tenta convencer o corpo de não parar, de não se deixar levar pelo frio presente na espinha. Eu preciso só parar de pensar, para não ter medo de fraquejar. Só tentar engolir o nó na garganta que não me deixa respirar. Eu só preciso não me entregar, não deixar de provar das minhas palavras. Eu só preciso da certeza. Eu só preciso da presença. Eu só preciso saber que nada é para sempre.
Por Natália Oliveira

terça-feira, 21 de julho de 2009

É tão bom tê-los por perto

Eu aprendi! Eu aprendi que se pode encontrar o verdadeiro sentido da vida em panelas de brigadeiro e gargalhadas gritantes. Eu amadureci! Eu amadureci aprendendo que nada, nada neste mundo, paga a sua felicidade e que posso lutar por ela até o fim. Eu reconheci! Eu reconheci que não há felicidade na solidão e que você é a forma mais gostosa de me sentir acompanhada. Eu errei! Eu errei pensando que era certa demais e encontrei em você o caminho para acertarmos juntos outra vez. Eu percebi que posso me perder, eu percebi que você é o meu guia. Eu tropeçei! Eu tropeçei e cai em braços estendidos. Eu comprovei! Eu comprovei que o dinheiro não tem o minímo valor diante da sua criatividade. Eu tentei e, por muitas vezes não consegui, mas encontrei você do outro lado. Do lado dos bons, dos verdadeiros amigos.
Ainda que dedicasse todos os dias da minha vida a agradecer, ainda seria pouco! Hoje eu sou melhor pq. sou a soma de nós. Você mudou o meu mundo com armas de paz!
Obrigada por hoje e por toda a minha vida!
Feliz dia do amigo!
A todos os verdadeiros e bons!
Por Natália Oliveira

terça-feira, 14 de julho de 2009

Quantos é?

Minha mesa está cheia, mas ainda assim não faço nada do que me pedem. O feriado não me preparou para uma segunda-feira de decisões, não pela manhã. No auge da minha preguiça, abro meus e-mails e apago as mensagens antes de contemplá-las, não quero fazer nada, não neste momento.
Deixo meu olhar se perder nas estantes cheias de fitas da TV, onde trabalho. Sei que as pessoas vão e vem, pois ouço um barulho de passos apressados aqui, mas nada me desperta, nada me faz voltar. Apesar de descansar meus braços na mesa, meu corpo balança em outro lugar. Viajo no dia de ontem, no exato momento em que não estava aqui. Aquela palestra.
Cheguei à sala espaçosa com um pouco de atraso, as pessoas já ocupavam as cadeiras posicionadas de frente pro palco. Em busca de um lugar para sentar, me guiei por alguns pontos azuis perdidos num canto, logo fiz parte do mar de gente. O homem de ralos cabelos brancos e óculos redondos subiu no ponto mais alto daquele lugar que, naquele momento, mais parecia a ponta de um barco. Ficamos em silêncio até a voz ressoar.
Aprendi muitas coisas naquela noite, entre elas, uma ainda me bate no peito. “Hoje, alguém que vocês não conhecem se mistura a mim e fala para vocês. Esta pessoa é o meu avô, que me ensinou valores inegociáveis”. As mãos brancas e grossas mexiam no ritmo de sua garganta e as ondas balançavam. “Deixe sua vida em outras pessoas. Trabalhe pela vida, já que dessa forma ela pode se eternizar. Não existe coisa mais triste do que não ensinar, nao compartilhar.”
Minha mesa está cheia, mas ainda assim não faço nada do que me pedem. Viajo no dia de ontem, no exato momento em que não estava aqui. Aquela palestra me fez perguntas e eu me coloco hoje a responder. Quem escreve neste blog além de mim? Quem me motivou a estar aqui? Quem faz parte de mim?Eu sou eu e mais quantas pessoas? Além do sorriso da minha mãe e da força do meu pai? Quantas sou? E você, sabe quantos eus é?
Ao Pastor Ricardo Gondim.
Por Natália Oliveira

terça-feira, 7 de julho de 2009

Contra-indicação. Enxerga?

Desço do ônibus antes do ponto. Bem antes. Faço de propósito, motivada por um impulso quase irracional. As calçadas me parecem confortáveis e eu ando devagar sobre elas. Diferente de todos os outros dias, deixo o meu olhar se perder à vontade, hoje nada passará rápido demais. Sei que não perderei o ponto. Eu posso ver.
Sigo a trilha da minha volta e percebo que muita coisa mudou e eu nem percebi, m
esmo fazendo o mesmo caminho todos os dias. Não sabia da agência de turismo na esquina e nem da loja infantil que virou teen. Comida japonesa no bairro? Novidade para mim. Empresa de comunicação? Nossa! Preciso andar mais por aqui.
As pessoas passam com pressa e, distraída, eu tropeço nelas. Os noticiários cheios de guerra e de homens disfarçados de bem aproveitam a deixa e me invadem. Por um momento perco o vento de vista e sinto medo. Apresso o passo, seguro a bolsa contra o peito e lamento a ideia de ir a pé para casa. Olho pro céu na tentativa de segurar o tom claro, mas o que consigo é perceber que Ele não vive em meio às prisões. Volto a enxergar.
Chego em casa – depois de anos – com as costas molhadas. Andei. Largo a bolsa na mesa da sala sem vontade de trancar a porta, sem medo de que alguém invada minha casa, sem medo de nada. Sem fantasias, sem medo de vida. Sem medo. Sinto a euforia e a ausência de qualquer precaução. O mesmo que sentia quando era criança, quando dispensava óculos e ainda assim enxergava.
Sinto as pernas relaxadas e uma vontade imensa de gritar pro mundo que estou viva. Sinto a lógica de segunda a sexta-feira quebrar a expectativa de um final de semana numa deliciosa terça-feira. Não espero o feriado chegar logo. O momento me basta. Não preciso de colírios de seriado e nem de lentes de telefone. Tô viva, enxergo. Isso me basta.
E descarto os conselhos. “Tome cuidado, minha filha”. Cuidado para que? Eu já tomei muito e muito sem precisar. Eu não tomo mais sem indicação, eu não tomo mais para prevenção. Agora eu sou a contra-indicação, eu quero enxergar. Eu quero enxergar a vida por perto estar. Eu não quero que nada separe o mundo de mim. Eu só lembarei. "O que os olhos não veem, o coração não sente". Está decido. Eu quero sentir. Não posso mais ser presa de mim.
Por Natália Oliveira

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Vem na garupa?

Olho meu armário com o desejo de achar algo simples e ao mesmo tempo usável. Decido por cinza, rosa, pão com manteiga e leite com café. Deixo o pretinho básico e o chá com bolachas para outro dia, outra ocasião. Faço tudo rapidinho e alcanço o elevador antes de deixá-lo atender outro morador.
O dia está claro e eu me arrependo de usar blusa de lã. Não caprichei na regatinha, não posso mostrá-la, sei vou passar calor. O ponto está cheio, os ônibus que passam não ficam atrás. Olho o papel, que balança com o vento, e confirmo. É esse. Dou sinal e espero a pressa em forma de humanos com pouca educação entrar. Respiro fundo e com calma faço o mesmo.
O trajeto é desconhecido e me parece longo. Esforço-me para manter os olhos no chão. Estranhamente o balanço do veículo somado as árvores que passam ligeiramente pela janela me enjoam. Fico por algum tempo assim, só mudo de posição quando o cobrador, generosamente, me diz que “é o próximo”
Caminho de olho nas placas. Faz tempo que me obrigo a saber os nomes da rua de minha cidade. Chego sem problemas no prédio da Insper – Instituto de Ensino e Pesquisa - e me deparo com pessoas bem diferentes de mim, bem diferentes entre elas. Bem diferentes. Não demoro a encontrar minha amiga, não demoramos a entrar no auditório cheio.
No palco, o jornalista Marcelo Tas dá vida ao debate sobre mídias sociais. O assunto é internet. No meio da conversa um comentário. “A nossa geração – de adultos – é marcada por uma linha de raciocínio mais ou menos assim: é como se criassem a motocicleta e diante da criação passássemos o tempo inteiro falando dos espelhinhos, dos pneus, dos freios e por isso nós esquecêssemos de curtir a viagem”.
Diferente de todos os outros eu ri. Pensei na humanidade, na realidade. A gente vive em cima de detalhes e esquece que vida é uma incrível viagem. E por falar nisso, vem na garupa?

Por Natália Oliveira

terça-feira, 30 de junho de 2009

A gente contou e o final não foi feliz!

O final de semana chegou e para variar os meus programas não incluem minha casa. Ainda assim, hoje consigo sentar-me a mesa do café da manhã. Despejo o leite na xícara e espero a pergunta que não demora “Quantas coisas você marcou para fazer neste final de semana?”. Respondo em meio às gargalhadas. “Bom dia, mãe”. E ouço mais uma vez. “Essa tem rodinha nos pés”.
Horas depois o ambiente é diferente. Ainda é casa, mas não a minha. O clima é gostoso, de amigos, frutas com chocolate e alguma risadas. Enquanto desfruto do momento, a presença inquietante e empolgada de um pedaço do céu me traz de presente uma gargalhada cheia de brincadeira, de infância. O sol atravessa a porta e lembra que algo nos espera.
Enchemos o sofá, o documentário 174 a tela da tv. Sandro nasceu e viveu na pobreza, no lado da vida que ninguém vê. Aos seis anos, momento em que eu via Popeye, Sandro assistia homens maus tirarem a vida de sua mãe. Cresceu sem pai, sem esperança. Foi para rua ‘não viu saída, foi pedir para comer, para não morrer roubou.
O menino cresceu. E enquanto eu aperto os lábios com os dentes, ele mostra os que a falta de escova o fez. O seqüestro do ônibus 174 é claro, é visto por uma sociedade que grita, chora, xinga. O menino, Sandro, ouve e eu desconfio que algo lhe faz lembrar dos tempos de fome, que negaram comida, que era inocente, que era sedento de amor. Dos tempos que ainda tinha jeito, mas só encontrou olhares de horror.
A ultima cena dança até agora na minha cabeça. Dança ao som de uma música que me acusa. Uma música escrita por Sandro. Por meninos de rua. A letra é única. Hipocrisia. A letra acusa. Por que ninguém ajuda? A letra aponta os defeitos de meninos de casa, que viram a cara, mas não param de acusar. Maldito. E ai eu me pergunto: o que a gente faz para sarar? O que a gente faz para ele não matar?
Obs: Não concordo com o que Sandro fez, nunca serei a favor dessa lei que matam homens de bem. Só não aceito ultimatos, julgamentos pré-julgados. Somos participantes ativos de muita coisa. Só a gente não vê. Só a gente não quer vê.
Por Natália Oliveira

quarta-feira, 24 de junho de 2009

O que você tem feito?

Encontrei os papéis perdidos em minha mesa e corri para o carro que me esperava há algum tempo. No balanço de lombadas e ruas mal asfaltadas reli as perguntas formuladas na véspera. O sol atravessava as janelas da Kombi e esquentava o meu rosto.
O trajeto é uma reta só, diferente da conversa que tenho com o motorista, cheia de curvas. Desconfio que falar sobre alimentos, crise e carreira não resultem em um assunto coerente, mas ajudam a chegar logo.
Estendo minhas mãos e recebo os equipamentos que o cinegrafista, sozinho, não consegue carregar. O cenário é diferente, cheio de árvores, flores coloridas e bancos de concreto capazes de suportar a admiração do pedaço natural.
Logo formamos um trio. A câmera, o microfone e o meu entrevistado estão posicionados. Eu também. Começo as perguntas sobre os cupins. Prevenção, características, habitat e... receitas caseiras são eficazes no combate?
O professor de Zoologia tem cabelos loiros, olhos claros e uma pinta de ator hollydiano. O rosto dele está iluminado e sua boca abre e fecha numa empolgação de domínio e prazer, de quem sabe o que diz. Desperto.
“Natália, as pessoas misturam fumo de corda com querosene e colocam na madeira, isso é combatê-los superficialmente. Nos lugares que não conseguimos ver, naquele armário fundo, naquele cômodo que a gente mal entra, eles continuarão agindo. A gente precisa achar a origem para dedetizar...”
Recolho as coisas e me entrego ao caminho de lombadas. O balanço do carro, agora, embala o som do martelo que prega as respostas. “Nos lugares que não conseguimos ver, naquele armário fundo, naquele cômodo que a gente mal entra”
E eu penso. O que tenho feito com os cupins da minha vida? Quais são os cômodos e os armários fundos que mal entro, mal vejo? Tenho procurado suas origens? Tenho combatido eles com receitas caseiras? Ou tenho me preocupado em jogar uma mistura de corda com querosene só para superficializar o que não sei tratar? É algo a se pensar. Pensar. A propósito, o que você tem feito?
Agradeço ao professor de Zoologia da Unisa Carl Heinz Gútschow pela entrevista.
Por Natália Oliveira

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Vida de Campo

Para seguir a história dos longos feriados, o sol só apareceu no último dia, junto com a ideia de ir embora mais cedo. Arrumamos as malas, recolhemos os papéis de chocolate da véspera e nos despedimos da velha ilusão, que a segunda-feira não chegaria tão cedo. O último entrou no carro e bateu a porta. A chave girou e o motor ligou. Deixamos o pedaço de verde mesclado de colorido, num espaço que nem parece São Paulo.
A luz iluminava a estrada de terra. Na ausência de música, conversávamos sobre as casinhas sem cerca que contornavam o caminho. Umas repletas de flores, outras de rede. Ora animais grandes, ora pequenos. E por falar neles, uma lombada criada, sem sinalização, no meio da estrada. “Isso é para brecar os paulistas, que não sabem de campo e atropelam as galinhas.”
Um dia sem armas, só com lombadas, a gente chega lá. Só na parada.
Por Natália Oliveira

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Passageiro não

Fim de matéria. Agradeço o entrevistado, recolho os papéis estranhamente organizados e atravesso a porta de vidro de mais um consultório de São Paulo. Menos uma, penso enquanto espero o táxi já programado para as quatro. Não sei o que me prende a atenção, mas o toque do celular me desperta. A voz do outro lado avisa, “o motorista está disponível”.
Caminho pela rua movimentada em direção ao carro, que agora enxergo. Nosso primeiro encontro é ali mesmo. Ele está do lado de fora e confirma se quem chegou é quem espera. “Natália?”. “Sou eu”.
Permanecemos quietos por alguns minutos, que a falta de amizade não consegue constranger. Ainda assim, qual o motivo para não conversar? Em menos de dez minutos desfruto de um assunto divertido e contemplo um sorriso quase raro.
Meu companheiro de viagem chama-se Vicente, descubro momentos mais tarde. Sereno, desvia com calma da falta de experiência e da pressa de São Paulo. “A pessoa já deve tá tremendo por fazer coisa errada. Se eu buzinar ela vai ficar mais atrapalhada. A gente precisa amar o outro, foi assim que Jesus disse, né?”. Concordo em meio a sorrisos.
Estamos há duas quadras do meu destino, por isso seu Vicente acelera a última conversa. “Tem passageiro que pede para eu fazer um caminho. No meio do trajeto ele não lembra se é direita ou esquerda. A gente chuta junto e a culpa é minha. Vê se pode!” Me entrego às gargalhadas. “Felicidade ou infelizmente, eu trabalho com gente”, diz.
Antes de descer dou lhe o que devo e lanço-lhe um último olhar. Desejo-lhe vida longa e, mesmo sem querer, viro as costas e me entrego às escadas costumeiras da TV. Penso em Vicente. Chego à minha mesa, olho os bilhetes grudados, os textos inacabados e os prazos apertados. De olho em tudo que preciso fazer sento e escrevo esse texto,
pois se Vicente estivesse aqui ele faria o mesmo. "O importante é saber viver bem, do nosso jeito".
Ao seu Vicente. Cabelos crespos de algodão e pele negra sem linha de expressão. E se você tem problema levanta a mão. Seu Vicente traz um dente de ouro e tantas histórias, que dá coleção. Ele tem a solução! Uma tremenda e gostosa contradição. Passageiro não!
Por Natália Oliveira

domingo, 14 de junho de 2009

Par de Páginas

Literatura para mim é assim. Causa e efeito!Doses incertas de batidas no peito. É tremedeira sem frio, suor sem calor. São os olhos confusos de quem olha e úmidos de quem lê. É a verdade na palma da mão, é mágoa, é alegria no fundo do coração.
Nunca entendi rostos pálidos e sem cor diante de livros, já que para mim eles sempre foram mistérios sem fim. Tesouros a serem descobertos nas prateleiras das salas e bibliotecas de um lugar ou qualquer afim.
Minha mãe diz que sou forte e, até um pouquinho pesada, sou assim pq. além de feijão e arroz devorei livros. De todos os tipos e gostos. Uma vitamina de diversidades que sempre me agradou e me alimentou até os dias de hoje.
Nunca fui culta e lendo-os nunca pretendi ser. Se um dia for, chamem de conseqüência, mera conseqüência. Como quando criança, nunca tomei vitaminas de frutas por serem ricas em B12 ou em “C’s”, mas por deixarem a minha boca com gosto de frutas. Assim foi com os livros.

Se pudesse embrulharia vários deles em cápsulas secretas e engoliria todas de uma vez, só para sentir a causa e o efeito, só para sentir as batidas no peito. E mesmo que algum livro parasse meu peito, eu ainda os amaria como o meu par perfeito. Meu prefeito. Ele dita minhas leis.
Por Natália Oliveira

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Colou na minha memória

Nunca fui linda e quando adolescente nem bonitinha. Usava óculos, cabelos trançados e um corpinho modelado a garrafa. Quadril estreito, costas largas e umas blusas coloridas demais, com calças, muitas vezes, soltas ou apertadas demais. Mesmo fugindo de todos os padrões perfeitos, estive sempre rodeada de amigos, muitos deles. Afinal de contas, se não tem beleza, tem simpatia.
Minha sala foi a mesma desde a quarta-série, cheia de adolescentes engraçados e sem maldade. Crescemos em meio ao pó de giz, às regrinhas de matemática, que sempre nos pareceu tão insignificantes e às gargalhadas contínuas, que me renderam o apelido de sorriso.
Mesmo comparado às aulas de educação física, o recreio sempre foi nossa dose diária de alegria. Com as minhas amigas inseparáveis, subia os degraus do escadão largo de cimento, construído no pátio, e de lá de cima a nossa mais prazerosa atividade ganhava vida: comer salgadinho de isopor e discutir os próximos capítulos da novela.
Uma vez combinamos de cabular aula, achei super emocionante a ideia de sair da sala antes que a professora chegasse e se esconder no banheiro. Ficamos lá por um bom tempo, uma em cada cabine, “vai que alguém dedura” e no final das contas descobrimos que a aula deveria estar mais prazerosa.
E o tempo foi passando e eu decidi que queria ser escritora. Ganhei apoio total de um amigo meu, que depois se divertiu com os meus rascunhos. Ria das palavras que eu escrevia e eu gostava da risada dele. Passávamos tardes e tardes ao telefone, mesmo depois de uma manhã inteira na escola.
Hoje eu lembrei dos meus tempos de escola e de como eles colam na memória.
A todos meus amigos.
Por Natália Oliveira!.