sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Velhinhos

Os velhinhos têm os cabelos brancos, bem branquinhos, prontos para receber uma cor. As crianças são como os cabelos deles, recebem qualquer cor. E mesmo quando não recebem nada não deixam de ser bonitas. É a essência delas e deles. É a natureza. É o que os distingue de jovens e adultos. É o neutro. Que espera receber. Quando fazem algo de errado, não há como julgá-los ou incriminá-los. São doces demais para isso. Se ousar criticá-los, perceberá olhos marejados, um coração partido e um olhar de dúvida. “Afinal o quê eu fiz?”. Eles são inocentes e vivos demais para entender nossas confusões. As bocas dos velhinhos têm cheiro de leite, assim como as das crianças recém-nascidas. Quando falam, um cheiro gostoso invade as narinas de quem os observa. É o cheiro deles, que dispensa chicletes de menta e pasta de dentes. Para quê? A boca sem dentes, normalmente, é pequena, mas cheia de Histórias Bobeiras para contar. Eles não comem muito e nem dão tanto trabalho assim, então porque os colocam em asilos?. Depois de qualquer ameaça ficam mudos, fecham os olhos, prometem não contar mais os desejos do coração. “Não leve”. Ninguém ouve. O colocam no carro, não explicam, não dizem nada, apenas dirigem em direção a casa branca. O coração dele chora. “Afinal o quê eu fiz?”. Antes de fecharem o portão um olhar de suplício e mágoa, que não permite a raiva entrar. “Eu devo ter feito tudo errado”. Nessas horas esquecem tudo. E ele que deu a vida perde ela. E ele que cuidou agora é abandonado. Atrás várias cabeças de algodão. Ele olha e percebe seu destino. Ficará ali para sempre. Lembranças invadem, as meninas eram pequenas e não queriam jogar o tênis furado. “Eles entenderam errado?”, pensa. “O que tá velho joga fora.”. Eles são inocentes e vivos demais para entender nossas confusões. Por Natália Oliveira "Inventaram a expressão casa de repouso para abrigar velhos supostamente cansados da vida quando é o mundo que se cansou deles". Por Eliane Brum

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Saber Viver

A noite é fresca e sem nuvens. Tipo de clima em que permite calças compridas, malhas leves e prendedores de cabelos dos mais variados. Existem dois extremos neste ambiente: mar e prédios, o bar Saber Viver de Ubatuba fica exatamente no meio. A estrutura dele é simples, não há portas e nem chão de cimento. As mesas, que dão lugar a sucos, cervejas e bitucas de cigarro, estão fincadas na areia branca. Os grãos são pequenos, mas unidos são fortes para suportar o plástico e seda para receber os pés. Uma placa escrita a mão explica aos clientes que não há comidas, também pudera, como fazê-las? Não há cozinha e nem pias. Existe apenas um balcão improvisado entre as macieiras que, por sorte, cresceram em volta do bar e, por mais sorte ainda, uma ao lado da outra. A madeira cheia de lascas se mistura com os troncos das árvores, há quem diga que é uma coisa só. Sendo ou não, é ali que clientes generosos deixam o dobro do valor cobrado pelos serviços. Que serviços? Os garçons são os clientes bronzeados e os clientes generosos. Tudo ao mesmo tempo. Os sucos e cervejas vêm com eles em carros de primeira linha, em bicicletas de tinta gasta e em sacolas de mãos calejadas. Gente de todo tipo, que paga para trabalhar. Tipo de toda gente que gasta para dividir. Eles alternam: ora bebem, ora servem. O Zé? Olha! Somente olha e contempla o que provoca. Dizem que mesmo que o mundo inteiro fosse paz, nada chegaria perto do que o Saber Viver é: a união de felicidade, maresia e cheiro de sal molhado, aroma que refresca e arrepia. O som de gargalhadas é música constante, que não pára. As palavras ditas são sem sujeitos. Apenas graças sem fatos. Ali ninguém tem família original. Pelo menos ali não. Todos são pais, irmãos, tios e avós uns dos outros. Mais que amigos desconhecido, abraços são distribuídos. O que os move é a gratidão de ter o paraíso na terra. O relógio grande e sem ponteiros marca os primeiros dez minutos de sábado. Como uma ritual, todos se levantam. Tornozelos cheios de miçangas, panturrilhas tatuadas e coxas a mostra se movimentam de um lado para o outro. São corpos gordos e magros. Negros e pardos. Em seus rostos queimados um sorriso largo. Alguns com dentes, outros não. Quem se importa? Estar no Saber Viver é sinônimo da sensação de criança quando ganha brinquedo novo e do idoso quando percebe alguém mais carinhoso. É tudo que a vida tem de bom numa roda-gigante. É doce na mão de criança. Jovens em uma grande ciranda. Gostoso do mesmo jeito que rever amigos, bater um papo, não ter inimigos. Quando juntos parecem grãos, força e seda. É a euforia de ver gente nova que chega. Gente que muda. Gente que de repente aprende! Aprende o caminho de Saber Viver. Por Natália Oliveira

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Bobeira crônica

Hoje eu não sei de nada. Hoje eu não quero saber de nada. Vou dormir o dia inteiro, vou andar descalça na grama, vou comer na cama, vou ficar de pijama. Hoje não to nem aí. Vou largar tudo, vou deixar o mundo, vou rir a beça, vou virar moleca. Hoje não vou dizer “sim, senhor”, hoje não vou trabalhar com ardor. Hoje eu não vou, posso? Não tô a fim! Não vou comer marmelada, não vou sai para “gandaia”, não vou para lugar nenhum. Se eu precisar? Não vou. Vou falar que não vou, vou gritar que não gosto, vou torcer o nariz. Sou eterna aprendiz. Vou fazer cara feia, vou parecer uma freira. Não vou! Não Vou! Adianta? Não sou obrigada a comer marmelada, a fazer mulecada, a saber de nada. Não quero e não vou. Só se precisar. Aí eu vou. Se pedir com jeitinho, se falar com carinho, se me der um beijinho. Aí eu vou. E vou com vontade, porque gosto de roupas leves, de sambas leves e de vestir Levis. Não tem nada com nada? Eu sei. Eu sou assim! Tim tim por tintim. Quer saber de uma coisa? Eu estou no meu trabalho, ganhando meu salário, ouvindo desagrado. Estressei? Venho aqui, escrevo um monte de bobeira e fico aliviada. O que acha? Marmelada? Não! Goiabada. "Como posso querer que meus amigos entendam as coisas loucas que passam pela minha cabeça, se eu mesmo, não entendo?" Salvador Dali. Por Natália Oliveira

Nem faz muito tempo, ou faz?

É do tipo de coisa que só o tempo cura. A gente já nasceu curada. Uma mistura boa de bobeira, risadas e baladas. Nem faz muito tempo, ou faz? Pediram para gente sorrir, mas alguém chorou. Agora não sei se foi eu ou você. Ou nós duas? Sei lá. A gente se confunde demais. Muito diferentes e iguais. Aprendemos a viver em caminhos opostos mais sempre a postos. Chamou? Não, só pensei. É...é você. Nem faz muito tempo, ou faz? Que eu deixei de ser criança e desaprendi a insistir? Não! Não deixei de te amar. Ainda a amo muito. Mas estou fazendo a lição de casa das pessoas que amam passam. Respeitarei, esperarei. O amor cura a mágoa. E mágoa cala, né? Eu entendo. Deixarei as explicações, de novo elas. Você sabe, sente. E também quem mandou crescer? Rápido demais. Que pena! Não podemos mais voltar. Nos impediram, não deixam. E logo a gente que não sabe lidar. Logo a gente! Te decifro da cabeça aos pés, e você é eu sem ninguém desconfiar. Uma cabeça e a outra os pés. Somos duas, somos sinônimos, um atropelo de sinônimos. Por isso espero. Mas vê se vai logo! Às vezes dói, dói demais. É do tipo de coisa que só o tempo cura. A gente já nasceu curada. Uma mistura boa de bobeira, risadas e baladas. Nem faz muito tempo, ou faz? Pediram para gente sorrir, mas alguém chorou. Agora não sei se foi eu ou você. Ou nós duas? Sei lá. A gente se confunde demais. Muito diferentes e iguais. Aprendemos a viver em caminhos opostos mais sempre a postos. Chamou? Não, só pensei. É...é você. Por Natália Oliveira

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Mundo dos Humanos

Voltando do meu almoço passei em frente ao corredor da Educação Infantil. Não sei porquê, mas lembrei do noticiário da noite anterior. De novo o bombardeio de imagens, fotos e sons. De novo sangue inocente derrubado ao chão, de novo sensações. De novo injustiça. De novo, tudo. Tudo, de novo. Mais uma vez mães e pais choram, mais uma vez corações se apertam. Mais uma vez a humanidade pergunta: porquê? Porquê tanta maldade? Alguém sabe? Ninguém sabe. Não os humanos. Os humanos não sabem. A tontura vem. Ela só tinha 15 anos. Só 15. Não deu tempo dela sentir o cansaço do trabalho e o alívio que traz o fim de semana. Não deu tempo de constituir uma família e nem saber, ao certo, o valor que a dela tem. Não deu tempo de muita coisa. Quem sabe quais os sonhos, os medos e os anseios? Ela teve chance de realizá-los? Mais uma vez tudo se foi, assim como castelos de areia, quando a chuva cai, expectativas e desejos se desmancharam. Vozes perguntam, porquê. A humanidade responde sem respostas. Roubaram o direito de viver. Roubaram o direito de errar e acertar. Roubaram o sorriso dos lábios e as lágrimas do rosto. Roubaram tudo. Ela só tinha 15 anos. Não, é ela não é mais a esperança para o mundo, porquê a roubaram do mundo. A voz dela embargou. O coração parou de bater. E perguntam: Porquê? Voltando do meu almoço passei em frente ao corredor da Educação Infantil. Não sei porquê, mas lembrei do noticiário da noite anterior. Ainda me sentia tonta quando uma mãozinha molhada encostou em minha perna. Agachei e senti o beijo mais gostoso, que recebi em toda a minha vida. Sentei-me, apoiando nas paredes, agora leve. Solta, sem pesos, agora. Só o meu coração que batia forte e sem ritmo e minha garganta, que tinha dado um nó. Não evitei que meu rosto molhasse, assim como não impedi o abraço que vinha. Aos poucos senti o amor que me era ofertado de graça. Senti Deus. Senti as respostas. Senti a ausência dele no mundo. No mundo dos humanos. Por Natália Oliveira

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Por que que a gente cresce?

Eu havia acabado de chegar em casa quando a campainha tocou, confesso que não lembro que horas eram, mas sei que quando abri a porta já estava bem mais escuro do que há cinco minutos. Recebi o pedaço de papel que o homem me entregara e sem agüentar de curiosidade li, antes mesmo de fechar a porta. Fiquei parada por um tempo até me recompor. Seis anos. Minha prima me convidava para sua festa de aniversário de seis anos! A última vez que a vi, ela tinha apenas dois. A semana correu de novo, e lá estávamos nós, pai, mãe e irmãos apertados e preocupados com os compromissos que tivemos que desmarcar. O carro que, um dia, serviu de cama em viagens longas, agora parecia uma caixa de fósforo. Ainda bem que não demoramos muito para encontrar a rua, agora o prédio, me ajudem, número 39. Achamos. Descemos do carro e com as pernas doendo entramos no buffet repleto de bexigas. Olhei para o salão vasto de crianças e com vergonha perguntei: Quem destas é a Bia. Ficamos intactos, parados como estátuas, cheios de vergonha. Não existiam sinalizadores, nem holofotes. Nenhum sinal da menina que vimos com dois anos, e agora? Resolvemos arriscar, desesperados disparamos parabéns. Elas se divertiam e logo entenderam que essa era a mais nova brincadeira. Eram abraçadas e voltavam para fila em meio a gargalhadas. Cansados, paramos e foi só nessa hora que percebemos a presença de uma garotinha, que nos esperava pacientemente de braços abertos. Sua pele era branca e sua pequenina boca dava lugar ao mais lindo sorriso sem dentes que já vi. A abracei e percebi que ela sim era a Bia. Tempos depois fiquei sabendo que minha tia sempre esteve no fundo daquele salão. Ela viu tudo, toda a cena. Nossos medos, nossas dúvidas e mesmo assim não nos ajudou. Deixou nossos rostos ficarem vermelhos, nossas mãos tremulas e não teve a coragem de estender a mão. Depois desse dia nunca mais a procurei. Depois desse dia nunca mais existiram festas de aniversário da Bia. E isso tudo acontece, porque a gente cresce e abandona a criança que sacrifica os grandes brinquedos por risadas. Que quando são passadas para trás entram na fila de novo. Perdemos a vontade de abrir os braços. Perdemos o que temos de melhor. Perdemos tempos demais. Afinal, porque que a gente cresce? Por Natália Oliveira

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Meu ou nosso??

Hoje a caminho do trabalho, entrei no metrô. Como sempre, evitei os assentos de cor cinza que são de uso preferencial, para pessoas com restrição de mobilidade e blá, blá, blá. Abri meu livro e como de costume desejei minha cama. Incrível como ler de manhã me dá sono. Ajeitei minha bolsa em meu colo e para não dormir passei a observar os passageiros ao meu redor. No último banco do vagão uma senhora de cabelos brancos. Dois grandes brincos de argolas pendurados. Anéis em todos os dedos de suas mãos. Estranho. Enfim a estação Campo Limpo. Levantei. Antes de descer a última gravação: O metrô é seu, denuncie qualquer ato de vandalismo. Não deixem estragar o que é nosso. Ã? Meu ou Nosso? Seu ou meu? Ã? Estranho. Por Natália Oliveira

Um Dia Desses

E eu tô de saco cheio, gritei. Bati a porta e assim que atravessei o portão senti o vento refrescar meu rosto. Atravessei a rua movimentada e, sem perceber que era observada, peguei o primeiro ônibus que parou. Sentada ao lado de um desconhecido, travei uma conversa sem nexo algum. Falamos sobre futilidades, discutimos assuntos sem fundamento e rimos até nossos olhos encherem de água. Cheguei ao ponto final feliz por não saber onde estava. Olhei pro céus, agradeci. Sem olhar para trás deixei minhas pernas decidirem meu destino. Avistei nuvens verdes aos meus pés. Tirei meus sapatos. Larguei minha bolsa. Joguei para o alto todo o trabalho que tirou meu sono. Senti a natureza mais perto de mim, abracei. A paz que tanto busquei vinha solta em forma de canto. Já não lembrava mais de nada. Meu trabalho, minha chefe, tudo tinha ficado para trás. Tudo. Deitei e senti toda a energia daquela terra marrom forte. A sombra das árvores me cobria. As nuvens afastavam a luz do meu rosto. E eu adormeci. Foi num dia desses... Em uma quinta-feira qualquer... A primeira noite que consegui sonhar com toda a coragem que me ensinaram não ter.
Por Natália Oliveira

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Atenção senhores passageiros

Eu não conheço um lugar mais propício para histórias boas como em ônibus. A graça já começa nos nomes, né? Menininha, Cantinho do céu, Capelinha, olhando os nomes dá até vontade de viajar. Imaginem um lugar que fica num cantinho do céu e que a menininha reza na capelinha. Fala a verdade? E quando você senta ao lado de alguém que está cheirando mal. Têm vezes que o odor está tão forte, que você se confunde. Não sabe mais se é o outro ou você que está com o desodorante vencido. Por via das dúvidas, você dá uma espreguiçada, ao mesmo passo em que fingi que algo te chamou a atenção, por coincidência do mesmo lado do braço erguido, e disfarçadamente tira as dúvidas. Sem contar quando a lotação está cheia e só tem um lugar vazio. E o pior, o lugar é atrás do motorista e tem um aviso bem grande “Uso preferencial”. Você senta e no próximo ponto sobe uma grávida ou um idoso, ou o pior: Os dois. Você espera eles passarem o bilhete único e fica torcendo “vai para trás, vai para trás, vai...”. Eu não finjo que estou dormindo, não tenho coragem... Agora nada se compara com o terrível grito: Vai desce cobradooooooo! Há quem prefira: Ô cobrado, vai desce! Não podemos esquecer daqueles que são adeptos do “Motorixta, quéro desce”. Tá bom, tudo bem, não vou esquecer dos vendedores de balas de hortelã, que refresca o hálito e alivia a garganta. Também temos a paçoquinha por apenas 0,25 centavos pessoal... E por aí vai. Trair, coçar e histórias de ônibus é só começar... Por Natália Oliveira

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Procura-se!


Cheguei no ponto e não achei. Minha carteira não estava na bolsa. Voltei correndo para meu trabalho com a esperança de encontrá-la dentro de uma das gavetas de minha mesa, ou embaixo delas, mas nem no banheiro a deixaram. Fui furtada! Meus documentos e minhas estrelinhas no chaveiro. Tudo. Levaram tudo.

Voltei para casa grata por conseguir ligar para minha casa, e triste por lembrar das filas do Poupa Tempo que deveria encarar. A primeira coisa que fiz foi ir à delegacia, fazer o tal do BO. Consegui fazer só no dia seguinte, porque como disse o guarda: “Nós temos dois ‘fragrantes’”.

“Tudo bem, eu volto”. E voltei. Sentei em uma das cadeiras do lugar e esperei até o papel que relatava o ocorrido ficar pronto. Ouvindo o barulho da impressora, viajei em meus pensamentos, imaginei como causei irritação no “malandrinho”, minha carteira não tinha dinheiro e nenhum tipo de cartão.

Meu pai, que me acompanhava, mexia a perna contundida, no último jogo de futebol, impacientemente, pisando em meus pés inúmeras vezes. Recolho minhas pernas e olho para o lado, vejo uma mulher com cinco crianças pequenas, uma de colo. Ao mesmo passo em que eu a percebo, o homem do balcão também a vê e logo grita:

- Seu caso?
- Meu marido me expulsou de casa – diz envergonhada.
- Dorme na casa de parente. A assistente social só vem segunda!
A mulher olha para a filha mais velha, aparentemente com doze anos, como se procurasse uma resposta.
A impressora continua fazer seu chiado.
- Procura seu advogado! – Ele grita – você não tem?
- Tenho – diz com um fio de voz.

Ela se cala e eu quase sinto sua dor...

O escrivão some atrás do balcão...

Eu sumo em minha casa...

E a mulher some nas calçadas...

No centro da cidade, o homem com uma placa no peito, entre anúncios de emprego, fazia um apelo: “Mulher Procura Dignidade!

Por Natália Oliveira

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Mãe



Um dia desses estava procurando nomes para minha próxima crônica. Foi então que pensei no meu: Natália. Gosto muito, mas imagino que minha mãe gostava mais. Porque entre todos os nomes que ela viu, ela escolheu o que ela achou o mais bonito.
A mesma coisa que ela fez com meus penteados de cabelo, quando eu era pequena, com os vestidos. E isso tudo me dá uma certeza que sempre serei levada com ela. E é bom saber disso. Principalmente agora. Especialmente nesse mundo turbulento e complicado. Olhar para alguém que tem seus olhos ou sua boca, que tem seus jeitos ou seu cabelo, é confortante.

Andar nos mesmo passos ou longe deles. Ouvir as mesma histórias que se repetem ou que se diferenciam. São frases, palavras, ou ao nosso ver simplesmente nomes que só elas sabem o quanto de significado isso traz.

Por Natália Oliveira

segunda-feira, 21 de julho de 2008

A velha da montanha



No alto da montanha a velha morava. A velha bruxa. Dizem que ela virou bruxa depois que o velho dela a deixou. Foi num dia frio, muito frio, as estrelas brilhavam forte no céu e todos do vilarejo já estavam dormindo. Deitada, estava quase pegando no sono, quando o velho se levantou. Ela abriu os olhos devagarzinho, mas seu corpo cansado não a permitiu acompanhá-lo. Era um cansaço diferente, um cansaço pesado, engraçado. Estranho!
Ela então dormiu e no dia seguinte ao seu lado, ao invés do velho, encontrou um bilhete que dizia: “Fui levado! Capturado! Não sei! Não saberei! Nem você”. A velha ficou doida. Passou dias chorando. Um choro alto, que era mais grito do que choro. Todos do vilarejo abriam suas janelas, mas tinham medo de consolá-la. E ela ficou sozinha.
Até que os dias passaram, e na porta de sua casa a velha encontrou outro bilhete: “Fui levado! Capturado! Não sei! Não saberei! Nem você. Preciso do seu maior bem. Coloque-o aqui, que me soltarão”. A velha deu um grito. Arrancou um bocado de cabelos e saiu correndo pela casa adentro.
Abriu todos os cadeados de sua caixinha de aço, e arrancando todas as suas jóias de dentro, deixou-as em frente a sua porta de casa. Puro ouro.
Quem passava pela casa via a velha na janela, olhando para os colares e anéis no chão, falando sozinha, esperando o velho. Mas ninguém apareceu, nem o velho, nem ninguém.
Sem perceber a velha começou colocar tudo que tinha fora de casa, sofá, televisão, cama e até chuveiro. Puro ato de desespero. Coitada!
E ninguém aparecia. Nem o velho, nem ninguém. E o povo pensando que ela era bruxa. Também, com aquela cara assustada e aquele olho esbugalhado. Podia ser diferente?
Só sei que passaram os anos, os dias, e tudo que a velha tinha ela colocou do lado de fora. Tudinho, até o papel higiênico do banheiro, já pensou? E não tinha mais coisas, nem bilhete. Sem sinal, sem dicas, ela desistiu e se mudou para a montanha. O velho? Ficou preso, presinho da Silva só porque a velha não sentou na porta. Só porque ela não colocou o coração na porta.
Por Natália Oliveira

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Têm horas que a vida pede





Têm horas que a vida pede mudança. Mudança de hábito, mudança de trabalho, e muitas, mas muitas vezes mudança de vida. Não aquela mudança de você para ele, nem dele para você. Nem de todos para você, ou de você para todos. É aquela mudança de você para você. De você por você! De mim para mim. De mim por mim.
É essa mudança que fortalece, que fortifica, mas que principalmente: Transforma! Não transforma a sua vida, mas a sua maneira de ver a vida. E isso vai lhe bastar para que você viva bem.
É aquela hora que você precisa ser mais você. É aquele momento, decisivo, que você precisa acreditar no que você é, em tudo que você criou, e acima de tudo em tudo que Ele criou para e por você!É você se olhar no espelho e acreditar no que vê. É tirar da sua “lista de restrições” que você não pode se valorizar, que não pode se admirar em público. É, ao contrário, gritar pro mundo o quanto você é feliz. É não torcer o nariz quando alguém diz que se gosta, é se gostar também!
Não é ser egoísta, é ser solidário. Ninguém quer ser atendido por um dentista com dentes estragados. Para ser exemplo para os outros, sejamos primeiro o exemplo. Cuide de você! É fazer a diferença em você, que sem perceber você fará a diferença em todos que olharem por você.

Por Natália Oliveira

Memórias de um dia de Trabalho


Véspera de feriado, relógio marcando 22 horas, não é um bom horário para trabalhar, mas existem pessoas com fome e eu preciso atendê-las. Trabalho para uma grande rede de fast food numa empresa que fica bem perto da minha casa. Junto comigo, milhares de pessoas anotam pedidos e tentam achar a melhor forma de oferecer sobremesas e bebidas para os clientes, que na maioria das vezes, nervosos com a insistência, disparam palavrões.

Silêncio em uma central de atendimento com mais de cem funcionários é quase raro, mas acontece. Sem ligações, procuro algo para me distrair, tento achar algum joguinho, um recado esquecido no bloco de notas, mas nada encontro. Fico, então, me balançando em minha cadeira, torcendo para que o tempo passe logo e eu possa, enfim, depois de boas horas de trabalho chegar em casa, dormir e me animar para a jornada de 10 horas de trabalho do dia seguinte.

Minha vida, ultimamente é essa: trabalho, universidade, curso de línguas, livros e força para responder as expectativas da sociedade. Quando sobra tempo consigo ficar com minha família e amigos, o que me faz um bem danado, e é isso que penso enquanto as ligações não voltam. Sem perceber uma mulher de cabelos grisalhos e bochechas rosa, sentada ao meu lado, me observa. Quando a encaro, vejo sua pele marcada por linhas do tempo. Logo deixo de olhá-la.

É então, que sinto sua mão roliça em meu braço. Percebendo a aproximação, inconsciente, abro um sorriso que é retribuído logo depois. Sem perceber começamos uma conversa. Aos poucos tento desviar das gotinhas de cuspe que saem de sua boca larga e trazem um pouco de branco para minha blusa preta, enquanto mexo minhas pernas que estão doendo por estarem tanto tempo na mesma posição.

E quanto mais fala de seus filhos, casamento, casa e vizinhos, mais gargalha. Imagino que ela sim é feliz. É então que de repente sua expressão muda, seus olhos pequenos e afastados ganham um brilho diferente. Um brilho de lágrimas. Antes que possa perguntar, com um sorriso singelo, ela me diz que muitas vezes tudo que se diz são apenas sonhos.

Estendo meus braços e ela permite. Ficamos ali, então, abraçadas como se toda a dor que invade o meu peito e o dela pudesse sumir. Meu mundo de tudo, que sufoca: Trabalho, universidade, curso de línguas, livros e força para superar expectativas, e o mundo dela de nada, que falta: Casamento, filhos, casa e vizinhos...

Por Natália Oliveira