sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Ainda Aberta

Por mais dor que carregasse, foi um gesto enraizado no amor. Um convite que fiz do melhor jeito que encontrei. Um chamado para termos uma vida diferente da vivida e um pouco sofrida dos nossos pais. Não era para ser diferente por capricho, mas por uma vontade de não se acostumar com os vazios. Era para te mostrar que dava para ser melhor, que ainda tinha potencial intacto e de sobra para ser usado.
Por mais agressivo que possa ter sido, foi o jeito que encontrei de te dizer que os seus braços eram únicos e seria desperdiço não usá-los em novas direções. Gritei para isso. Gritei para ver se conseguia eliminar suas frustrações, elas deixavam os sonhos minados de palavras negativas e impediam qualquer ideia que quebrasse o esquema “comer para trabalhar e trabalhar para comer.” Eu gritei para acordar seus ideais.
Por mais prepotente que os meus planos pareçam, eu chamei você para me ajudar abrir o embrulho do mundo e sarar com as novidades as feridas ainda abertas. Eu entreguei o mapa, molhado pelo suor das minhas mãos, mas você recusou. Desesperei-me. Apontei com os dedos trêmulos as maravilhas do horizonte, mas você fincou os pés no chão.
Por mais egoísta que eu possa parecer, eu parei para perguntar qual era a vantagem de estar onde estava, mas você não soube me dizer. Então, com o coração aos pulos eu tentei te dizer que você podia ser muito mais do que pensava ser, que era possível crescer, deixar de se diminuir aos problemas passados e se transformar na própria vida pulsante, em vez de apenas um personagem dela. Era possível correr. Correr para fora dos muros dos quases e dos talvez.
Eu tentei explicar...mas você não pode entender. Então eu parti, mas deixei o convite aos seus pés.
Por Natália Oliveira

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

No meu armário

Arrumei meu guarda-roupa nesse final de semana. Não que fizesse muito tempo desde a última organização, mas a bagunça parecia enraizada. Sempre que abria uma das portas um potinho de alguma coisa caía em meu pé. O dedo latejava e eu prometia: “amanhã eu arrumo”. O mesmo ritual quase todos os dias.
Acabei encarando a tarefa no sábado, logo depois de acordar. Tomei alguns goles de café com leite e deixei a mesa, prometendo uma conversa mais tarde com a minha mãe. Meu quarto estava iluminado pelo sol primaveril.
Joguei todas as roupas em cima do lençol verde florido e comecei. Comecei por achar blusas que não me serviam mais, mas que a ausência de coragem não tinha me permitido doar.
Eram curtas, apertadas e estagnadas em gostos antigos. Não me cabiam mais, mas eu as conservava, porque um dia me couberam. Era medo de deixar o que um dia foi agradável. Medo de reconhecer os ciclos, o fim.
Era medo de descartar o número. Era mais fácil deixá-las por último, do que não deixa-las ali. Era difícil não pensar nos momentos em que me aqueceram ou me livraram do calor. Era apego do mais real e do mais vazio.
Eram só roupas. Ou não? Eram lembranças de pessoas que já não estavam mais, o fio da lembrança se segurava nas linhas, na cor. Mas era lembrança? O vivido tinha ido, tinha vivido do jeito bonito que conseguiu e foi embora. O dono cresceu. Não cabia mais, era hora da despedida.
Em duas levas deixei tudo para doação. Voltei ao meu quarto iluminado pelo sol primaveril e reorganizei o que ainda fazia parte de mim, o que ainda me cobria por inteiro, que não me exigia contorções ou falta de ar.
Antes de fechar as portas, olhei tudo. Vazios estavam espalhados em vários lados. Empurrei a maçaneta e caí na cama satisfeita, melhor os vazios a preencher, do que sobras enganosas. Melhor!

Por Natália Oliveira

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Nu inteIrior

É me carregando e me empurrando às vezes...
Tenho me pesado ultimamente. Não as gorduras, mas as bagunças internas que tenho para arrumar. Faz muito tempo que não mexo nelas, o excesso de coisas externas me ausentaram desse quarto de existência, aliás já deve beirar um sexto, sétimo. Não que eu tenha deixado de visitá-lo, eu até chegava a adentrá-lo, mas no cansaço jogava tudo para o lado e me aconchegava no descanso da beirada.
Esses dias, porém, me deram um ultimato: ou aparecia ou a leveza e o amadurecimento iriam embora. Sem saída, parei na frente do monte que me impedia de continuar sem pesos e aos poucos avancei. Abri caixas e enxerguei falhas passadas em cima de antigos palavrões. Portas quase abertas, esforços incompletos, limites não ultrapassados, quases. Abri as pastas e derrubei todo material no chão. Incertezas, dúvidas, dívidas, medos caíram aos meus pés.
Encontrei palavras desfeitas, contratos, desculpas. Olhei cada detalhe de tudo que pudia, frente e verso, cima, baixo. Achei alguns problemas resolvidos, mas remoídos na falta de outros assuntos. Enchi as mãos e rasguei todos. Os picados sumiram, deixando um gosto de riso e um degrau. O amadurecimento prometido acontecia. Continuei na ordem da desordem cada vez mais leve.
De repetente tropecei em uma vitória intacta. Soprei o pó que a cobria e lembrei do dia que a conquistei. Sempre a quis, mas não comemorei porque estava ocupada demais pensando nas coisas que o meu empenho máximo não tinha conseguido fazer. Dessa vez a abracei, pulei com ela e ri alto. Dancei sozinha. Ou melhor, com ela. Na coreografia inventada, gritamos alegrias, mandando embora todos os dedos apontados, constrangidos eles foram e não voltaram mais.
As latas de lixo já estavam cheias e a desordem bem menor, quando me deparei com sacos pretos. Avancei sobre eles e vi que estavam tomados por coisas que fizeram meu coração doer. Por impulso, arranquei tudo lá de dentro e com raiva pisoteei, não quebrou. Trouxe para perto do peito e tentei partir em vários pedaços, mas quanto mais colocava força, mais resistente e áspero ficava. Minhas mãos doíam e o sangue pulsava. Aquilo tudo não me permitia descarte. Nem sinal de gosto de riso e nem degrau.
Lágrimas rolaram. Sentei cansada, fechei os olhos, respirei fundo. No silêncio profundo os degraus me convidaran, obedeci. De cima percebi que os sacos eram menores que pareciam e o inquebrável não passava de proteção. Era preciso valer a pena ter sentido a dor, se a eliminasse antes do fim, se estilhaçaria e ficaria incolável, ganharia, então, o nome de fracasso . Não podia interromper o curso dos desesperos, das lacunas e dos excessos somados, eles eram necessários, precisavam ser vividos intensamente até perderem a cor.
Então o descarte chegaria junto com o gosto de riso e o novo degrau no momento certo. Com eles eu alargaria os lábios e cresceria mais um pouco, as coisas mudariam de tamanho, de temor, amadureceria. Enquanto isso não acontecia, era preciso respeito ao curso da vida.
É me entendendo e amando outras...
Por Natália Oliveira