quarta-feira, 31 de março de 2010

No Nosso Eu

Para tirar a paz da minha vida, só coisas maiores que ela.
O meu direito de ver é do mesmo tamanho do seu e viva a diversidade de várias janelas, dum lado eu, doutro você. Eu te conto o que sei e você o que aprendeu. E nesta ida a vida do nosso caminho alargou. Maior que eu e você..
Enquanto houver céu...
Por Natália Oliveira

terça-feira, 23 de março de 2010

Aos olhos de vocês

Natália vem do latim, significa nascimento. Nascimento da minha prima que veio antes e ganhou o Talita. Ficou para mim o Natália, do livro dos nomes comprado às pressas. Nem por isto menos quisto, menos bonito, aos olhos de minha mãe.
Desci do ônibus e, assim que os prédios me deram licença, admirei o céu que se mostrou azul, extenso, bonito. Limpo e iluminado pelos raios do sol que chegavam em meus braços pelados pela blusa sem mangas. Atravessei a loja de construção e antes de dobrar a esquina tentei ouvir o barulho do ônibus, que não estava ali. A espera, mergulhei nas linhas de um livro, que me confessava Notícias do Planalto, algo sobre Collor.
O motor soou próximo.
Era ponto final e do transporte duas senhoras desceram. Atrás delas um senhor de meia-idade, pele morena e menina no colo. A menina vestia uma blusa branca, uma calça de moletom laranja e uma fralda. Seu rosto era infantil contornado por cabelos ondulados, castanhos de tom escuro, curtos. Não lembro ao certo de seus olhos, mas pude percebê-los perdidos em outra dimensão. Sua boca era boba e deixava a saliva cair.
Assim que chegaram ao chão, a primeira - de cabelos pretos longos e corpo magro - se aproximou, deixando que o homem desamparasse a menina. Com uma das mãos segurou o tronco mole da menina e lhe secou os lábios molhados, dizendo à fila que o motivo das pernas desobedientes era a bebida, disse isto se afastando da garota e permitindo que ela caísse em seus braços. A brincadeira desenhou um sorriso alegre no rosto das duas. Das duas.
A mulher então abraçou novamente a menina pelas costas e num suspiro disse “Temos que pegar mais duas conduções, Natália”. Seguiram as duas, juntas, pela calçada. Cúmplices, sozinhas. A menina ensaiava passos com a firmeza dos pés da mulher, que andava no ritmo da menina. A saliva descia, eram quase do mesmo tamanho. Natália.
Natália vem do latim, significa nascimento. E ai eu fiquei pensando quantas vezes você nasce para ela e ela para você. Natália vem do latim, significa nascimento. Nem por isto menos quisto, menos bonito, aos olhos de vocês.
Por Natália Oliveira

terça-feira, 16 de março de 2010

Esquina da solidão

Vira e mexe encontro com elas e suas cores. Cabelos alinhados com presilhas de plástico, brincos de argola, esmaltes, decotes cortados a favor da mostra dos seios, quase sempre caídos. Sandálias altas sustentam os corpos roliços ou magros demais. As roupas normalmente são grudadas, coloridas, destoantes de peça para peça.
A maioria delas traz um maço de cigarro no bolso e dentes amarelos contornados por lábios vermelhos. Os olhos pintados mexem em companhia de sobrancelhas finíssimas no ritmo de um desejo camuflado de gente que quer gente do lado. Gente que olhe, que admire as horas a mais na frente do espelho.
Nosso encontro é quase sempre atrás de caixas de dinheiro, ao lado de catracas de bilhete único. Na volta para casa, nos bares de noites tomadas por rala coxas e sorrisos fáceis de cerveja. Me chamam atenção quando explodem em gargalhadas seguidas de histórias que sempre tem cunhados e filhos, no percurso as mãos sempre balançam de um lado para o outro.
São mulheres da vida dos ônibus, dos pontos deles, dos rostos de linhas que desenham o nosso país. São mulheres de desejos que gritam a esquina da solidão e que encontram nas cores das roupas, dos batons e dos esmaltes algo que atraia para a próxima parada que tem coração.
Homens reparem a beleza na falta dela, é pensando em vocês.
Por Natália Oliveira

terça-feira, 2 de março de 2010

Pro alto

A gente discutia distribuição de renda, periferia, carro blindado. A gente discutia barreiras invisíveis, intransponíveis, elite. Pobreza, casa no Morumbi, favela logo ali. É culpa! Culpa de quem tem muito e não divide. É mais que obrigação abrir a mão, tem muito o que custa? Custa o preço da mesa sem pão, custa a escola do menino que não teve educação e da menina que foi para a prostituição sustentar o teu vício, cidadão! O teu vício de segurança que não segura nada. A sua insegurança que brota em mentes erradas e que no final derrama, patrão. É obrigação abrir a mão.
Obrigação? O problema está na base, o problema é educação. Sem ela não tem dinheiro que resolva, não há elite que transforme, que mude, que construa. O problema é a educação que não mostra opção, que não abre a cabeça do cidadão. Filho, meu amigo, não se sustenta só com água e pão, tem que ter educação. Mãe, pai e comunhão. União na luta por um cidadão, é a vontade que surge na ação. Age! Olha pro prédio alto e para de dar tiro pro lado. Age. Porque na elite também tem ganha pão. A obrigação não é abrir a mão, é o governo investir em educação. Assistencialismo, de uma vez por todas, não.
Distribuição, periferia. Barreiras invisíveis, intransponíveis, elite. Pobreza, Morumbi, favela logo ali. É culpa! É? Culpa do privilegiado da boa geração? Ou do que não se contenta com a pobre situação? Culpa de quem? Do que herdou costumes de uma boa tradição? Ou daquele que luta para manter arroz, farinha e feijão? É culpa! De quem? É culpa! De quem? Quer saber? Pro alto o pão, o arroz e o feijão. Pro alto a educação, a vida boa e a mansão. Pro alto. Pro alto. O que falta é compreensão. Compreensão. O que falta é a elite entender qual é a dor da barriga que clama por pão, o que falta é a miséria ver a cor da solidão numa mansão.
O problema é educação. Numa sociedade igual a nossa, heroi é vítima e vilão. Compreensão.
Por Natália Oliveira