sábado, 27 de novembro de 2010

Venha

Venha, apesar da névoa instalada nesse dia de sol. Sente-se e conte-me coisas boas. Algo que tenha lhe feito feliz hoje, ontem ou semana passada. Qualquer coisa que puxou seu sorriso de um lado a outro e deixou o mundo mais colorido. Fale, eu ouvirei. Esqueça do sério demais, do formal. Ria, eu vou com você, afastando toda gente que diz que rir alto é “feio demais”. Não se acanhe! Não há nada de brilho aqui, além do sol. Venha assim mesmo. Não levo nada além do pano leve do vestido. Vestida de mim da cabeça aos pés. Chegue e sinta o seu ser também, ele pede para tirar o aperto. O nosso estreito. Sente-se. Fique.

Por Natália Oliveira

domingo, 21 de novembro de 2010

Um Batom

O relógio marcava mais de quatro horas quando cheguei. Ele? Já estava lá. Vestia calça jeans azul, camisa, blusa de lã e sapato social. A pele bronzeada cobria toda a altura mediana e os cabelos cacheados em preto estavam “no lugar”. Com as mãos grossas segurava uma sacola.
Os ônibus passavam rápido pela avenida, mas quando paravam, o homem caminhava até eles e tocava com a ponta dos dedos a pintura branca do carro. O mesmo ritual dezenas de vezes, até que o movimento cessou. Ele então sentou ao meu lado, jogou o tronco para frente e um braço para trás. Do gramado pegou um pedaço de plástico preto, recentemente deixado acredito. Mexeu em um dos lados, fazendo com que uma ponta rosa escura aparecesse. Um batom.
Olhou fixamente para o objeto que segurava e em seguida encostou várias vezes a maquiagem nos lábios que, por sua vez, ficaram cheios de bolinhas coloridas. Satisfeito, ele, então, lambuzou os dedos e passou o rosa pelos cabelos, penteando os fios com as mãos. O contraste da cor feminina com os traços extremamente masculinos fazia graça, mas algo de ternura transbordava dele, eu não ri.
Meu ônibus chegou e, antes de partir, pude ver ele inclinando e chacoalhando o batom para baixo, em seguida levou as mãos ao pescoço e, com mais rosa, enfiou-as embaixo do braço...
"Loucura e inocência são tão parecidas, que a diferença, embora essencial, mal se percebe." (William Cowper)
Ao senhor.
Por Natália Oliveira

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Sem Saber

Entrou pelas janelas da cozinha, provavelmente vindo de outra, e seguiu ao meu encontro no escritório. Encontrou-me despenteada, de pijama e pantufa, digitando comentários em blogs.
Tocava “Canção Para Você Viver Mais”, do Pato Fu. Na tela do computador, uma janelinha do msn piscava. Era um amigo. Visivelmente um amigo. Tudo muito claro para mim, mas não para quem chegasse. E ele chegou. E chegou sem avisar, escondido. Entrou, se aproximou e simplesmente me invadiu, sem pedir autorização ou licença.
Veio com tudo. No impacto perdi a consciência do que fazia, larguei o teclado, soltei a ideia do pensamento e em voz alta me perguntei: “de onde vem esse cheiro de bife acebolado?”. Era tão vivo que pude imaginar o gosto da carne. Ele me entorpecia e agitava minha cabeça, me convidava para sentar à mesa. Se fosse, o que encontraria? Toalha, panelas e litros de refrigerante? Ou alguns pratos rasos já cheios pela comida servida na cozinha? Orariam antes de comer? Ou não? Quantas pessoas estariam? Cinco, seis, sete? Ou menos? Ou mais? Do que conversariam?
Não sei. Ele foi embora e eu fiquei sem saber. Não sei.
Por Natália Oliveira

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Vai continuar sendo assim, não há sentido em outra maneira. Não te obrigo, não te prendo, não te forço. Está livre para onde quiser ir. Se voltar, é porque ainda me guarda, se perder o reencontro, é porque não há mais eu e você. Não há contratos, há apenas o trato de cuidar da leveza e da confiaça que une eu e você.
Por Natália Oliveira

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Quando Matei Aula

Sentadas em uma das mesas da pastelaria, localizada dentro do supermercado, três meninas jogavam “Stop” Dividiam o espaço com mochilas e cadernos, por isso e pelo horário desconfio que matavam aula. Vê-las me fez lembrar da primeira e única vez que realizei a tão sonhada aventura de escapar da matemática. A professora era uma mulher rígida, de corpo roliço e cabelos grisalhos. Usava óculos redondo e um avental “salmão”. Os alunos tinham medo dela, em sua presença reinava um silêncio profundo e atípico para uma sala de 4ª série.
Sofria. Não levava o menor jeito com números e, por sacanagem ou falta de sorte, sempre era escolhida para fazer os exercícios na lousa. Sem ter a menor ideia por onde começar, inventava uma lógica, sempre sem pé nem cabeça, e com as mãos suadas de nervoso rabiscava no quadro. “Claro que estava errado”, ela se alterava. Eu disfarçava como podia o constrangimento, enquanto as maçãs do rosto inflamavam. Ao final de cada aula, ela sempre deixava lição de casa. Com as fórmulas, sentava no chão do meu quarto, apoiava o caderno na cama e nos embalos de colheradas de Nescau tentava resolver os problemas, sempre sem sucesso.
Naquele dia, sabia que não tinha feito os cálculos e que provavelmente seria chamada para resolvê-los. Aproveitei a troca de professores, peguei minha mochila e corri pelo corredor afora. Tinha cinco minutos para resolver o que faria com a minha liberdade. Desci os vários lances de escada e segui para o portão que separava o pátio, da rua. Trancado! Analisei o muro. Não era alto, mas tinha cerca e se eu ficasse enganchada lá? E se chamassem a professora de matemática para me tirar? Quantos exercícios eu teria que fazer para...despertei. Precisava me esconder, antes que alguém me encontrasse!!!
Corri até o banheiro próximo. Entrei rápido, me enfiei em uma das cabines, tranquei a porta, fiquei em pé no vaso e, logo em seguida, me encolhi inteira. Minhas costas encharcavam a camiseta. Cabulava. No auge dos meus 10 anos, eu finalmente cabulava. Era simplesmente genial, tinha escapado de todo mundo e agora cabulava! Independência ou morte! Revolução! Eu era muito evoluída, pensava.
Cinco minutos depois na mesma posição, deixei o banheiro com câimbras, lamentei a ideia e pedi para entrar na aula.
Por Natália Oliveira