Ao meu motivo, sua breve história II
Hoje encontrei Creusa. Estava no banco da frente com a mesma calça jeans de outrora, marcando os ossos, como da outra vez. Sentei ao seu lado e ela me explicou a beleza da blusa que vestia, de linha, listras coloridas, cores claras. A patroa havia dado, os calçados de plástico também. Apressou em me dizer que não ligava para a moda, vestia o que tinha, já que o importante mesmo é não deixar os filhos com a barriga seca e a casa sem água e sem luz. Casa que sempre tem um “café digno e que não causa vergonha a ninguém”.
Vergonha tem a filha de usar usado, quer uma roupa nova para passar o Natal. Disse a Creusa que os Shoppings estão lotados e ela respondeu que Santo Amaro também. A menina, de 13 anos, precisará escolher entre as que tem, a mais jeitosinha, já que a peça nova só vem no ano que vem, me falou Creusa. Creusa que não tem luxo, que começou a trabalhar com 9 anos e que tem usado as férias do emprego, para ajudar a mãe de sua patroa nos cuidados da casa, de outra casa. Digo o óbvio, “é cansativo, né?” e ela responde com um sorriso tímido. “É, mas eu sou pai e mãe”.
Hoje não me esforço mais para lembrar do seu sorriso, hoje ela olhou para mim, de frente. Pude ver, então, os dente amarelos em cacos, espaçados. Os olhos pequenos e puxados que quase se fecharam quando suas mãos tocaram meu joelho. Pude ver a garra no seu rosto magro quando me disse que guarda o seu nome com todas as forças que tem. Respondi com euforia, que o que levamos desta vida é o que a gente é na vida. Concordamos.
Dei o sinal e ela me disse: “conheci uma menina muito legal”, olhei no fundo dos seus olhos, sorri. Antes de desçer, uma ideia. "Existem coisas na vida que se precisassem de razão, perderiam todo o sentido..."
Em pé, já na porta, olhei para Creusa, ela mexia discretamente as mãos e fitava algo além da janela. Estava longe, pensava.
Por Natália Oliveira
2 comentários:
Parece que só damos valor quando as coisas que conseguimos forem conquistadas...
Fique com Deus, menina Natália.
Um abraço.
Eu vivo nesta busca de histórias e acredito: é um desejo insaciável!
Beijos, Dani.
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