segunda-feira, 26 de julho de 2010

Reconhecer

A noite já se apresentava negra do outro lado da cortina do meu quarto, mesmo assim meu sono demorava a chegar. Deitei com o coração aos pulos, os olhos ligados, buscando proteção no edredom. Flexionei os joelhos, curvei a coluna, trouxe o ursinho de pelúcia para perto de mim. Era difícil assimilar o novo corpo, o novo universo. Precisaria reaprender. Eu sofria.
O novo tempo tinha arrancado a capa que cobria os meus defeitos, o vôo acabara no chão. Estava exposta, sem maquiagem. Num tombo, num caído provocado. Voltava a ser humana com H maiúsculo, sem vaidade, sem aumentativos alheios, sem supervalorização, pelo contrário era gente. Tudo estava claro agora.
Já vinha amontoando os meus defeitos num cantinho, enquanto os elogios me entorpeciam, me fazendo acreditar ser dona de uma essência acima da média. Sabia que uma hora chegaria a hora de libertar o que não me pertencia, o que viam a mais, mas sempre deixava para depois, era gostoso.
Vivi assim até que o prazer virou medo, controle. Roubou-me a liberdade de ser o que era realmente, de verdade. É um perigo acreditar no que dizem de você sempre, é um perigo quando potencializam suas qualidades ao extremo, quando te fazem mais.
Seria um dia normal, se eu não tivesse disposta a fazê-lo diferente. Já não queria mais guardar, sustentar, algo que já não servia mais, ou melhor, que sempre me foi largo, por isto deixei que se aproximasse e que percebesse que algo estava, mesmo, fora do lugar. No perdido ajudei a situá-lo no meu incômodo. Esclareci o meu mal, do jeito conseguido, com uma sinceridade cortante. Ele estranhou.
Brigamos. Ele com razão, eu por revolta.
A noite já se apresentava negra do outro lado da cortina do meu quarto, quando deitei. Sentia-me nua, descoberta, desprotegida, mas real!
“De tudo, fico feliz de apresentar meu lado não admirável, torto, mas que também me pertence.”.
Por Natália Oliveira

3 comentários:

Alvaro Vianna disse...

Um exercício válido, não é minha querida?

Boa noite consigo mesma.

Rose Cianci disse...

Realmente, "...É um perigo acreditar no que dizem de você sempre, é um perigo quando potencializam suas qualidades ao extremo, quando te fazem mais...". Ótimo texto. continue assim, examine-a de vez em quando para não cair no engano.
Bjus.

Pensamento aqui é Documento disse...

Muito válido, demais!

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Em sua companhia. =D

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Beiijos