terça-feira, 3 de março de 2009

Em sua companhia

Cheguei atrasada na faculdade, corri para sala, que estava vazia. Na lousa um recado, segui as instruções. Sai e abri a porta ao lado. Lá estava o professor, os slides e os alunos atentos. Mostrei que cheguei com um beijo estalado na bochecha delas, em seguida veio a bronca. “Gente, por favor deixa o beijo para depois. Atrapalha a aula. Chega atrasada e ainda quer cumprimentar? Faz isso na hora do intervalo.” Levantei a mão, mostrando o palmo a ele. Não disse nada, agi da mesma forma que agimos quando recusamos uma macarronada, depois do almoço. Simplesmente levantei a mão. Sentei e larguei minha bolsa no chão, ao passo em que observava o espaço novo, bem diferente do costumeiro. Cadeiras e mesas novas, tela de projeção moderna e paredes brancas. Ele falava com gestos, o tema era interessante: Guerra Fria. Paralelos com meios de comunicação, história, dados. Interessante. Mas eu não estava interessada, não naquele momento, o que me surpreendeu. Seu método de ensino é um dos melhores. Parecia que minha calça estava infestada de pulgas, não conseguia me aquietar. Estava calor. Não estava a fim. Meus olhos permaneciam nos slides por poucos segundos, custei a prestar atenção nas novidades, que em outro momento me encantaria. Me distraia e me encontrava olhando os mosquitos, pequeninos, que voavam de um lado para o outro e fazia a menina ao lado balançar os braços no ar. “Tá vendo espíritos? Bebeu? Não é cerveja? Ou é?”, ele pergunto em meio a sorrisos. Não, eram os bichinhos. Não sei o que fiz nos minutos que correram entre esse momento e o pouso de um deles na mesa azul marinho. Era do tamanho de um grão de arroz, pequenino, mesmo. Tinha asas e antenas do tamanho de seu corpo. Andava de um lado a outro. Passei a observá-lo. Parecia perdido. Peguei o lápis que usava em outrora e passei a girá-lo, fazendo com que o mosquitinho girasse, também. Por um momento quis adestrá-lo. Por hora parei e coloquei o pedaço de madeira apontado ao lado do meu companheiro, que subiu. Ele caminhava pela “trilha” suspensa. A cada passo, meus dedos giravam, não queria perdê-lo de vista. Cansei e coloquei-o em minha caderneta, improvisada de caderno. Como se estive se acostumando ao novo ambiente, ficou parado. Por um momento pensei que pudesse ajudá-lo, coloquei a ponta grafite próxima a ele e risquei um traço torto. Queria fazê-lo andar por ali. Não andou. Riscava o final do traço para que ele visse. Ele não enxergava. Continuava parado. Ao vê-lo ali, me deu uma vontade imensa de sorrir. Estava feliz em tê-lo, em saber que tinha asas, que poderia voar, foi assim que chegou a mim, mas não fazia. Senti na boca o gosto da minha infância, forte e tão presente, que esqueci, momentaneamente da do meu desejo de ser adulto. Aquele papo de jornalismo, história, guerra já não fazia o menor sentido. Gostoso mesmo era aquela sensação de paz, que aquele bichano me trouxe. Nada daquilo chegaria perto da felicidade daquele encontro. Já sentia a mesma onda de coisas boas, que me invadia, quando perto da quadra do ginásio, cuidava das formigas, amigas. Eu e minha criança adormecida, que de tão empolgante e feliz, trago às escondidas. Momentos que são raros e tão divinos, que só podem ser explicados pela mesma teoria que justifica a existência de animais como aqueles. Eu em sua companhia! Por Natália Oliveira

3 comentários:

Rose Cianci disse...

Pois é Naty.
"Santo Mosquitinho" que te fez filosofar sobre o que é realmente importante na vida: beijos estalados, paz, amizade, relacionamentos,... Parabéns! Amei o seu pensamento. Bjus.
Rô, do emporium

Laurinha disse...

Naty,
Primeira vez que venho aqui, e a primeira coisa que venho em mente foi porque não descobri esse cantinho antes.
Palavras lindas, você escreve maravilhosamene bem! Parabéns.
Seus textos conseguem passar exatamente a sensação que vc descreve, é engraçado como pequenas coisinhas no dia a dia, as vezes surgem na nossa frente e acabam virando uma "máquina do tempo" e por alguns instantes nos fazem sentir aquela paz, aqueles sonhos todos guardados na gente, aquela inocência de ser criança
Amei de verdade!!!
Parabéns mais uma vez
Beijos
Laurinha

Éter Na Mente disse...

As miudezas da vida nos levando a profundidade da mesma.
Naty,
Vc é mestre em nos fazer viajar pelo reino das palavras.
Adoro te visitar.
E obrigado pelo seu carinho
Fique com Deus e beijos nesse coração lindo.