quinta-feira, 19 de março de 2009
Num mundo de estrangeiros
Eu não lembro que horas eram, sei apenas que era noite. Um dia de semana à noite, que poderia ser qualquer dia de 24 horas cansadas, eu tinha trabalhado. Peguei o ônibus no ponto de costume, andei alguns metros até a universidade, sem perceber que o tempo estava fresco e as ruas movimentadas. A única coisa que mudava aquele dia de todos os outros eram alguns sonhos que nasceriam mais tarde. Mais eu ainda não sabia disso.
Passei no banheiro antes de subir à sala, lavei o rosto, sequei as mãos e deixei mais um espaço no espelho largo, disputado pelos decotes, cabelos coloridos e lápis de olho. No caminho não encontrei ninguém conhecido. Sem “olás” , sem abraços. Estava ansiosa e a ausência de amigos, naquele momento, não fazia a menor diferença.
Depois de alguns passos lá estava eu, junto aos outros tantos alunos ainda não desistentes. Eu estava adiantada, não no horário, mas na entrega do trabalho. Não demorei a chamá-lo, meu coração pulava. Foram poucas palavras até que seus olhos pregassem nas folhas. O silêncio me deixava feliz e ao mesmo tempo inquieta. Ele prestava atenção, eu tentava decifrá-lo. Sem êxito.
Passaram-se alguns dias, até que o momento que eu tanto esperava chegou. Eu precisava saber o que ele tinha achado do meu texto. Minha primeira tentativa de colocar tudo que eu encontrava e me segurava no curso estava por um fio, eu quase já não tinha mais vontade, não achava espaço e nem olhos dispostos, essa era a minha ultima opção.
Por nomes, sem ordem, ele começou. Chegou a minha vez. Levantei da cadeira e a passos lentos cheguei à sua mesa. Antes de cumprimentá-lo olhei para o vermelho que fazia um traço e uma volta no papel, digitado e inteligível para tantos outros ouvintes. Eu nem sei ao certo o que eu pensei na hora, mas tive certeza quando o ouvi dizer. “Você tirou nove.”
A partir daí eu sei que por mais que eu não possa, eu ainda posso. Por mais que tudo esteja andando de ré, ou de costas, eu sei que eu guardo um nove dentro de mim, que exige o meu melhor e que me garante que eu superei o oito, pelo menos por um instante. E isso representa um novo jeito de encarar a vida, um novo jeito de encarar o que sei e o que aprenderei.
Ainda consciente de que muitos cincos e seis virão, me sinto plenamente satisfeita só por saber que, no meu mundo, meus textos são para pessoas batalhadoras e admiráveis como você. Talvez você não saiba o quanto foi importante, motivador e gratificante, mas eu sei o quanto para mim foi essencial e decisivo encontrar alguém que falava a minha língua num mundo de estrangeiros. Obrigada!
PS: Uma homenagem ao meu educador Carlos Dias.
Por Natália Oliveira
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4 comentários:
Como vc faz isso, moça?
Traduzir o cotidiano em textos tão maravilhosos é sua marca registrada.
Adoro ler tudo que vc escreve.
Abraços fraternais
Natália, quando leios seus textos, percebo que todas aquelas aulas que te dei não foram em vão. Noto que ajudei você a desenvolver esse maravilhoso dom. Sinto-me feliz...haha.... Zoeira...hehe Os créditos e méritos são todos seus. Você realmente "manja" da vida, melhor, do que a vida passa a representar transcrita nesses seus textos... :)
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