quinta-feira, 12 de março de 2009

Nada demais

Parei tudo. De vez em quando eu gosto de fazer isso. Deixo todos os “precisos”, “os urgentes”, “os pendentes” pela metade e venho escrever. Normalmente sinto isso, em momentos como esse. Luz de sol e vento fresco. Tempo que mesmo sendo cedo, me lembra fim da tarde. Que mesmo com 22, sinto saudade. Pés descalços. Colo de mãe. Trabalho no 2º andar de um prédio grande. A sala que concentra as principais áreas da organização é tomada por janelas. Não aquelas pequenas, estreitas, mas as bem largas. É um espaço com paredes brancas e azuis, do lado esquerdo as duas cores, do lado direito só a neutra. O colorido vem das árvores e de seus passarinhos. Minha mesa, por muita sorte, fica ao lado dos vidros. De vez em quando, como agora, me perco a olhar o céu e as nuvens. Hoje está bem claro, mesclado de azul e branco, como as paredes daqui. A diferença é que as paredes são de concreto e o céu de algodão doce, já experimentou? É uma delícia! O gosto é de melado. Já comeu melado? Eu também não, mas diziam quer era bem gostoso. Aqui trabalha muita gente diferente. Amigos de tempos, colegas há anos. Mas desconfio que ninguém se conhece. Conhece de verdade, sabe? Tem uma dupla que senta perto de mim. Elas param o trabalho e não escrevem, mas contam histórias e dão risada adoidado. Até os olhos encherem de água. “Ai, minha filha tava tão mal ontem. Febre, dor de garg” “Ai, meu filho ficou assim semana passada. Pensei que era deng...” “Ai, mulher, para de falar besteir” “É verdade, até pensei, que fosse malári” “Oxi, malar” “Lógico, também se fosse, eu ia buscar a Globo para registrar, doença pré-históric”. É assim o tempo todo. Uma corta a outra. Ninguém ouve ninguém. Como conhecer? Saber?Ouvir as mágoas, as angustias... O banheiro, que fica trancado, está perto da sala. “Anda sujo demais”, justificou alguém. “as crianças estão usando, não é possível”. As crianças, que são atendidas aqui, tem entre 2 a 11 anos e dois banheiro ao lado da classe que fica no andar de baixo e são usados na companhia de educadores. Não pensaram nisso. Agora a chave fica no mural. São três murais na parede azul e branca, a chave fica pendurada no primeiro deles. No início as pessoas ficavam olhando de rabo-de-olho a situação. Um tanto constrangedora. Algumas pensavam “vamo vê quanto tempo ele leva para devolver”. “Deve tá fazendo número 2”. “Etâ, baixou quantos quilos?” Não perdoam... Um dia desses fui escovar os dentes. Enquanto enxaguava a boca, um outro alguém entrou. “Nossa, que nojo” “O que?” “O pessoal vem no banheiro e deixa o papel todo a mostra” “Eca!” “Trancaram o banheiro e continua tudo a mesma coisa” “É...dizem que são as crianças” “Desde quando crianças menstruam”. É mesmo, desde quando? Parei tudo, mas agora preciso voltar. Eu gosto desse papo, dessa conversa...E você faz isso? Desde quando? Por Natália Oliveira

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