A noite estava fria, mas quando a encontrei ainda não chovia. Estava de branco e apesar do frio vestia blusa sem mangas. A regata trazia uma data, destas roupas que compramos perto do ano novo, só não consigo me lembrar o ano. As pernas tinham a mesma cor do resto do corpo, um branco quase amarelo, típico de quem não vê o sol há tempos. Sem destaque algum, usava um shorts de tecido fino, justo e curto que puxado marcava a intimidade.
Era domingo, mais de dez. Passávamos por lá por pura diversão. Numa travessa bem iluminada, estava sozinha com fones no ouvido. Decidimos aproveitar. Quando paramos o carro ao seu lado, encurvou o corpo em direção à janela aberta, os cabelos negros, visivelmente alisados do meio para baixo, acompanharam o movimento e foram levados num gesto lento para atrás da orelha. No topo da cabeça os fios sem química cresciam livres, deixando um armado inevitável.
À primeira pergunta respondeu sem constrangimento. “É R$50”. À proposta seguinte respondeu tímida, num sorriso largo. “Não, eu tenho vergonha. Muita gente! Vocês têm mulheres lindas ai com vocês. Vou não, vou não”. Para falar a verdade, nem a gente ia, passávamos por lá por pura diversão. Aceitamos a negativa como uma forma de sair, mas não antes de saber que morava em Jundiaí, sozinha. No trabalho até 00h00 e nem sempre por ali. Foi com a mesma alegria que perguntou e soube de nós também.A despedida foi marcada por lembranças de Deus. “Fica com ele, você também”.
Nela existia uma doçura acentuada, ainda não perdida pelo amargo do asfalto. Algo que motivava um desejo de cuidar, de sentar à mesa pra comer e conversar. Algo diferente no rosto miúdo, olhos puxados em tons claros. Diferente. Passamos por mais algumas ruas, comentamos o encontro e desde então pensei nela alguma vezes. Onde estaria neste momento? Penso. É dia. Se pudesse ser herói certamente tiraria desconhecidos do corpo dela e traria a sua boca o gosto do dia.
Por Natália Oliveira
4 comentários:
Esse está entre os melhores textos que li por aqui.
Parabéns!
Uma realidade tocante, um texto que cuidadosamente explorou os detalhes para o deixar mais bonito.
"acompanharam o movimento e foram levados num gesto lento para atrás da orelha."
Ótimo Domingo!
Abraços
"... comentamos o encontro e desde então pensei nela alguma vezes. Onde estaria neste momento? Penso..."; fica tranquila porque qualquer dias desses pode ser que vocês se reencontrem novamente - e, nada é por acaso.
Grande bju.
Rô
Destas mesmo que Ele tem o nome gravado nas palmas das mãos...
Mas mesmo assim o peito aperta de vontade de ser herói. De ser pássaro ou avião pra tirá-la dali.
Sena!
Obrigada, querido!
Seus elogios me motivam. =D.
-
Espero, Rô...
-
Amém!
Tem razão, Dan!
Beiiijos
Postar um comentário