Em tempos conturbados, é difícil acreditar na bondade verdadeira. Depois de algum tempo, ela decidiu comemorar os aniversários dos funcionários. A decisão das celebrações veio em uma reunião, costumeira, de segunda-feira. Puro propósito ou mera coincidência, faltava alguns poucos dias para o aniversário dela. Enfim. Os dias passaram, as tarefas não, mas mesmo assim tivemos que adiá-las para atravessar o corredor, no meu caso, subir as escadas, em outros, e seguir sentido auditório.
Ficamos lá, gritando para pedir silêncio, logo ela subiria motivada por alguma desculpa. Não demorou muito para encontrar a sala no maior alvoroço. Já que não tinha outro jeito, começou a festa improvisada. Primeiro ela. Leitura de frases tocantes, poemas bonitos, entregas de anéis brilhantes. Depois, os aniversariantes do trimestre, entre eles, eu. Ficamos lá, os mais ou menos quinze, ao lado dela. Enquanto o “nessa data querida” tava na boca do povo, a funcionária de saia comprida e blusa de seda vermelha entregava algumas rosas. Entre todas as cores disponíveis, escolhi a amarela. Gosto dessa cor. Nos minutos seguintes, não seguiram mais palmas e nem abraços. Mesmo assim, as pessoas demoraram a acreditar que não tinha bolo, nem brigadeiro.
Para que refrigerante, então? Saímos. Voltei para minha sala. Antes de ligar o computador li a frase que haviam colocado no mural. Interessante, mexeu comigo. Procurei alguns sites de trabalho voluntário, queria fazer algo que me permitisse mudar parte do mundo. No momento seguinte, cortei o caule da flor para que coubesse no copo e a deixei sugar a água. Fiz mais algumas tarefas e observei os minutos se arrastaram até o relógio marcar 17h00. Ufa!
Peguei minha bolsa e enfiei a rosa dentro, deixando as folhas e as pétalas para fora, coloquei o meu bilhete único no bolso e cheguei ao ponto. Lotação Santo Amaro. Sinal. Entrei e cinco minutos depois que sentei no banco preferencial, dei lugar à senhora de corpo esbelto, que trazia o rosto sofrido, sacolas e uma criança, já crescida. Alguns passos para o fundo do carro e pronto. Achei um lugar para esperar outra poltrona. Estiquei meu braço direito para segurar na barra superior. O homem, que estava abaixo do meu cotovelo, ofereceu colo para as minhas coisas. A voz dele quase não saiu, parecia algum problema. Entreguei. Estava cansada. Deitei meu rosto no braço esticado, de forma que os meus olhos só enxergavam a avenida. Não sei por quanto tempo fiquei assim, mas quando me virei para o lado oposto, o homem mexia na rosa.
Ele havia aberto o zipper e enfiado as folhas, de modo que só o amarelo aparecia. Olhei e sem graça disse “to com medo que ela morra”. Ele só sorriu, apenas. Logo, algumas pessoas desceram. Agradeci, peguei na alça e me afastei, queria sentar. O lugar era estratégico, na fileira ao lado, três bancos atrás. Podia observá-lo. Fitei seus cabelos quase cacheados e orelhas de abano. Uma blusa cinza com detalhes azuis mostravam como seus braços eram finos. Nos primeiros instantes, desejei entregá-la a ele. Parecia que gostava. Pensei em travar uma conversa, parecia sozinho. Por pouco tempo... Abri minha bolsa a procura de alguma coisa errada, ele tinha mexido? Uma bomba? Sei lá! Nada. Fechei. Abri de novo. Carteira, celular, desodorante...Tudo aqui. Mas será que não tem nada de errado, mesmo? Remexi. Os fones quebrados no fundo, o Clube Social, nada de diferente. Ok!
Descemos. Perdi ele de vista. Caminhei mais alguns metros até, por sorte, conseguir pegar o último ônibus parado. Esqueci a história da rosa, depois de olhar tudo novamente. Fui para casa pensando em alguns trabalhos voluntários. A frase me inspirou. “Antes de mudar o mundo, mude seu interior”. Se o Dalai Lama me conhecesse, ele diria “Para que andar com rosas, se não está preparada para encontrar jardineiros ?”. Em tempos conturbados, é difícil acreditar na bondade verdadeira.
Por Natália Oliveira