sexta-feira, 30 de abril de 2010

A Partir De

Certa vez perguntaram a um aposentado qual era a maior riqueza de um homem com mais de oitenta anos. E ele respondeu. “O poder de discernir o que realmente importa daquilo que não tem nenhum valor”¹. Quase enlouqueci quando li, logo minha cabeça que sempre me convenceu de ser tão madura, tão certinha. Mergulhei em lágrimas, fui ao fundo do poço pelo buraco que eu mesmo criei.
Rasguei os planos, chorei. Recebi amigos, os assustei. Sempre tão certa....
Senti a dor de estar errada com todos os pedaços que um dia me formei...
Mas a sanidade volta, com ela a clareza de ideias, a queda de extremos e hoje, com toda a firmeza que me resta, declarei:
Volto a andar na terra descalça, a deitar com o sol, a rir sozinha. Volto a olhar os pássaros, a abraçar as árvores, a permitir que me achem tonta demais. Volto a fazer caretas em frente ao espelho e cantar alto, a comer por desespero e estalar os dedos por ansiedade. Aprendo a sair do controle. Passo a aceitar que posso errar, passo a dar razão. Volto a ler meus livros.
Não dispenso mais nenhuma conversa com minha mãe por estar cheia de trabalhos e digo que a amo setenta vezes nove. Não perco mais oportunidades de me conhecer, faço questão de olhar para os meus medos, conto os meus defeitos e faço força para melhorá-los, mas não me cobro, tanto, mais. Respeito os meus limites.
Passo a apreciar mais ainda a liberdade. A liberdade de ser quem sou, a sua de ser quem você é. Me disponho a somas, busco sua essência.
E então, quando o dia acabar, descalça deitarei junto ao sol...
[Sem Perder a Alma – Ricardo Gondim ¹.
Post escrito em 19 de janeiro, perdido em minha caixa de e-mail, acho que vale publicar.
Por Natália Oliveira

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Me dá um presente?

Hei! Você pode me dar algo de presente? Algo bem grande? Tão grande que não dá para carregar? Não, o que eu quero eu posso ver de qualquer lugar.
Você pode me dar? Como está o céu ai? Como está? Você pode me contar? Tem muitas estrelas? Você é capaz de fazer um pedido a uma delas?
A lua já está perto ou se esconde no azul marinho? Hei! Você pode me contar?
E se o teu céu tem nuvens, que desenho você pode me dar? Qual desenho você pode me entregar? Em? Qual você pode transformar para me ofertar?
O seu tem gotas? Você pode molhar suas mãos um pouquinho para me dizer que temperatura está? Você pode? Encheu rápido ou devagar? Você pode me contar?
Você tem janelas? Você tem olhos? Você pode enxergar? Você pode me contar? Como está o seu olhar? Você pode me falar?
Por Natália Oliveira

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Eu Ela Meu

Ela olha o colar e só. É o suficiente para uma sensação boa invadir o peito. O colar no peito alheio invade o seu coração. Coração de criança emocionado ao lembrar dos tempos de escola. Uma flor colorida de lã ou crochê, amarela e azul. Flor pendurada por bolinhas lembrando douradas, muitas, colar comprido, flor baixa.
Ela olha, de repente. A mulher no balcão ao lado, o vidro separa o que é eu do que é ela. Ela nem olha na verdade, conversa com outra. Ela eu que olha. E olha por que quer algo para ver, mas de repente encontra uma florzinha de lã ou crochê, amarela e azul. Nem sabe porque, mas ali tem escola.
E se tem escola tem paz que invade o peito do coração alheio. Alheio meu, ao menos. Alheio eu ela meu. Uma florzinha de lã ou crochê no preto da blusa dela, nos castanhos dos olhos meus rouba tudo e devolve a paz de tempos que um dia foram meus. Eu ela meu. Ela o olha o colar e só eu. E quando pensa em perceber, some com tudo que era meu. Onde está o eu ela meu?
Por Natália Oliveira

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Para onde vão as promessas?

Esperei que se servissem. A máquina de refrigerantes estava bem ao lado da saída e como estavam em duas bloqueavam a passagem. Ao passo que uma enchia o copo, a outra ouvia a resposta da amiga à sua pergunta. “Não como hambúrguer até o final da outra semana, porque vi um motoboy atropelado e prometi a Deus que se ele vivesse faria isto” “E como saberá se ele viveu?” “Vou fazer sem saber”.
Saímos à procura de mesas, eu encontrei uma vazia do lado esquerdo do salão, elas ocuparam as últimas duas cadeiras, já reservadas, por alguns conhecidos, atrás de mim. A história do motoboy caído e a promessa pela vida dele foi replicada aos que não sabiam e o assunto logo mudou.
Saboreando o peixe ao molho branco, sozinha, pensei. Interessante esta história de promessas. Promessa na concepção popular é se privar de algo a favor de outra coisa. Numa linguagem mais clara é sacrifício. A menina se priva de hamburguês e em troca Deus preserva a vida do motoboy. Solidário. Mas que Deus é este? O Deus que eu conheço, que eu experimento em graças diárias é bem maior que isto.
Uma mordida na Ana Carolina para descer o pensamento. Não acredito num Deus sádico, que só ouve orações depois de um bom sacrifício. Qual a importância dos meus chocolates nas obras de Deus? O que Ele fará com eles, ou melhor, qual o resultado de uma abstinência de cacau para a corrida do mundo?
Religião só faz sentido quando muda a sua vida e por meio dela a do outro. No lugar de subtrações, somemos. Já pensou se ela tivesse prometido curtir cada minuto com os amigos, sem se importar se são iguais ou diferentes, sem fazer de pequenas coisas motivos grandiosos para brigas, porque viu um motoboy atropelado e gostaria que ele vivesse. E a amiga perguntaria como saberia se ele viveu e ela diria que não saberia, mas que ele a lembrou o quão frágil é a vida e por isto faria tudo para amar antes que não desse mais tempo.
Sacrifícios são solidários, atos de fé e merecem meu respeito, mas motoboys continuam morrendo e o amor se esvaindo.
Pensemos...
Por Natália Oliveira