domingo, 17 de janeiro de 2010
Deixe Moedas
Combinei com ele que seria a minha despedida, por isto escolhi a coxinha maior e um pastel de queijo, que há tempos estava com vontade. Para matar a sede, doses de coca-cola em copos, que os bares servem pingados - aqueles médios, de boca larga, espessura grossa, listras em relevo. Escolhemos, desta vez, a mesa da frente, com mais cadeiras, mesmo em dois. Eram as mesmas de porcelana pintadas por pontinhos azuis e brancos num fundo cinza claro.
Tinha bastante gente ali, não perto de nós, mas em volta do balcão, o Chinezinho não parava de movimentar os braços em direção aos salgados e aos clientes. Lucraria bem naquela tarde. Observava e pensava, enquanto ele pedia mais um – é incrível como o pedido que faz é sempre mais gostoso. Na volta, com a bandejinha de ferro novamente cheia, conversamos sobre a tortura que seria seguir a dieta passada pela médica. “Nada de frituras, de refrigerantes, chocolates, frutas cítricas”. Maldito refluxo.
Chovia fino. Eu levava guarda-chuva, mas ele não sentiu necessidade de abri-lo e por fim julguei exagero. A loja de doces ficava no próximo quarteirão, ainda tínhamos que caminhar pela calçada de roupas coloridas, passar pela agência bancária e pelo vendedor de cocadas, então no final de tudo atravessaríamos a rua sentido ao nosso destino. Ao lugar que não poderia falta em minha despedida.
Em um dos passos, enxerguei aquele que já havia visto em qualquer outro dia ali. Vestia uma camisa azul royal rasgada, que estava segura no corpo por apenas um botão, preso a um palmo e meio abaixo do peito. As pernas estavam cobertas por uma calça jeans cáqui e os cabelos brancos contavam com um boné no mesmo tom. Estava sentado em algo parecido com um pedaço de madeira, bem menor que seus quadris, que o deixava a poucos centímetros do chão. Um dos braços balançava um pequeno pote amarelo, fundo, com as bordas arredondadas. Dentro, nada mais do que seis moedas de pouco valor.
Passamos reto. Num estalo pedi que parasse e então que esperasse um instante. Remexi o fundo da bolsa e segui em direção àquele. Um leve tilintar soou e a boca se abriu num sorriso. Agradeceu e eu ameacei voltar, ele me esperava, mas fiquei. “Onde o senhor mora?” Em Guaianazes, respondeu. Disse me ainda que usava metrô, tinha bilhete especial. “Mora sozinho?” E a boca novamente se abriu, mas desta vez tímida, num virar de rosto. “Não, eu tenho minha véia”. Compreendi e fiz uma última pergunta. “Qual o nome do senhor?” Antônio. “O mesmo do meu pai”, disse eufórica. O único dente apareceu de novo, torto, mas agora num sorriso grande, único como o seu botão, único como o seu dente.
Talvez não encontre mais Antônio, mas caso você o veja, mande lembranças minhas e se puder deixe moedas, o sorriso dele é capaz de comprar qualquer coração.
Por Natália Oliveira
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4 comentários:
Valeu mais que qualquer moeda, como muitas coisas na vida..
Um café.
Deixarei!
Menina, é necessário tão pouco para se fazer alguém feliz...
Fique com Deus, menina Natália.
Um abraço.
Valeu, Cá! Valeu.
Com açucar e leite, por favor.
Mi!
Dani, tão pouco...
Beijos, queridos
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