domingo, 13 de dezembro de 2009

For All

Tava vazio. Sentei num dos primeiros bancos depois de passar a catraca. Era banco preferencial, mas não tinha ninguém apto a usá-lo ali. Arrumei a bolsa no colo e procurei por um pacote de bolacha que não lembro de ter terminado. Não achei. Alimentei a ansiedade com alguns pensamentos sobre a noite, já passava das dez e eu não procurava por carona, como de costume, tinha tido coragem, enfrentava, sozinha, o medo dos noticiários. Me sinto mais viva quando consigo olhar pra cidade de perto, estava feliz por isto.
Não lia, apenas esperava e me entregava as cenas do dia, nas paradas lançava olhares aos recém-chegados. Algumas antes do meu destino, ela entrou. Vestia uma calça bege clara, uma bota preta de bico e salto finos, uma blusa decotada na mesma cor. Percorreu o caminho curto, entre a porta e o cobrador, em passos desequilibrados, bambeados e por um momento a julguei embriagada. Passou a catraca, mediu e encarou o homem que dormia encostado na janela. Subiu os degraus internos do transporte e em seguida deixou seus pés voltarem ao chão. Seu celular tocava e com uma expressa dificuldade atendeu.
Tinha os cabelos loiros tingidos, enrolados, curtos. Magra. Estava acompanhada por uma da mesma idade, só que mais encorpada, cabelos avermelhados, blusa florida, colo a mostra. Sentaram juntas, atrás de mim. Na minha frente, um acrílico que refletia mal o rosto da primeira. Desde então, participei da conversa, como ouvinte, distante. Falavam sobre a ligação recebida a pouco. A dona do celular dispensava palavras em voz alta e olhava constantemente para o lado oposto, como quem procura por público. A franja tampava parte de seus olhos pintados de preto, os fios estavam molhados.
O assunto era cada vez mais animado. “Ai eu falei pra ele, você só pode ser um anjo. Ai ele respondeu: ‘você tá dizendo que eu sou um anjo?’ é, no meio desta homarada feia aparece você, bonito, cheiroso.” “É tão gostoso homem cheiroso, né?”. “É. Com certeza. Eu namorei com um menino que tinha o cabelo arrepiadinho – ela fazia gestos com a mão para ilustrar – cheiroso, magrinho, uma delícia”. “Ai, homem magro é tudo. Eu adoro”. Antes de descer, pude ouvi-las mais um pouco. “Ele ficou me olhando e eu nem ai. Ai depois de um tempo ele chegou e a gente dançou, quando acabou ele disse: “Valeu. Você dança bem e eu: ‘aé?’. “Tá certo deu uma de joão sem braço, né?”.
Antes de me encontrar com a calçada, uma última imagem, tinham rugas nos olhos e, agora, trocavam receitas sobre pele flácida. Comigo, chutei uma idade. Nada, mas certamente eram mais velhas que minha mãe. Mas eu não me importava, em busca da minha cama, só pensava em minha casa.
Por Natália Oliveira

11 comentários:

Sena do Aragão disse...

rsrsrsrs

Olá Querida Natália. Sempre fico silente frente as suas palavras. O jeito como conta as coisas. Sejam simples como for.
Talvez eu volte a comentar novamente.

No momento cheguei até a pensar em voltar a ser magro (não estou gordo).

Ótima semana

Beijos

Rosecianci disse...

Pois é Natygirl,
"Sentaram juntas, atrás de mim. Na minha frente, um acrílico que refletia mal o rosto da primeira. Desde então, participei da conversa, como ouvinte, distante...". Estamos num grande "Big Brother" e por mais que não tenhamos a intenção e inexistem câmeras ligadas - a procura por público, como vc mesma mencionou está por aí: à nossa volta, 24 horas por dia (e o transporte estava vazio, heim?).
Beijos e saudades de nossas "filosofadas..."

Daniel Savio disse...

Mas pelo jeito, elas queriam realmente ser notadas...

Fique com Deus, menina Natália.
Um abraço.

Mulher Vã disse...

Naty!

Elas só não podem descobrir seu blog senão vão pedir creditos!
Voce é uma diabinha que observa o mundo ao redor com olhos famintos, só pra depois passar para o papel! =)

Linda, linda.

Alice Teixeira disse...

Adoro chegar aqui e ler as suas impressões do mundo. Às vezes passamos por lugares sem notar a beleza de cada coisa. Não digo apenas de natureza e coisas do tipo, pois é muito fácil olhar para uma flor e dizer o quanto é bela. É mais legal quando conseguimos encarar com esse tipo de pensamento o simples hábito de pegarmos um ônibus e nos conectarmos com pessoas tão distintas.
Parabéns, sério.
Beijos e boa sorte

Dayse Oliveira disse...

Naty, lendo suas palavras e me observando na mesma situação. Muitas vezes sou ouvinte de casos semelhantes, e de lá alguns aprendizados, lições, melhoras.

Obrigada por mais uma experiência compartilhada.

Danny Doo® disse...

... é, isso me faz lembrar: preciso ouvir mais e falar menos... bem menos...

rsrsrrs

Bjokas!!!

Natália Oliveira disse...

Sena!

Volte sempre, sempre quando quiser, tá? A porta está sempre aberta.

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Rô!

Sim, 24 horas, mas sempre podemos escolher o ângulo que desejamos, não? Tava vazio, sim, uma delícia!

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Menino, Dani!

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Vã!

Eu confesso que sempre saio com esta expectativa. Me delicio com o mundo.

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Liu!

Ônibus são caixinhas de cada canto, não?

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Dê!

Aprendemos e ensinamos tanto com aqueles que nem conhecemos, né?

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Dany!

Bem-vinda, volte sempre!

Gostoso tê-la por aqui!

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Obrigada, queridos!

Beijos

RihoCahelo disse...

Natália,

Dar-lhe os parabéns por mais um excelente texto seria redundante, então vou dirigir-me aos comentaristas deste distinto blog.

Caros, apreciem as obras da autora com mais atenção. Não me parece que nenhum de vocês leu o texto até o final.

O "choque" que ela proporciona ao leitor no último parágrafo, ao destacar que as duas personagens eram velhotas, em vez do óbvio, duas garotinhas comuns, é muito mais interessante do que qualquer uma das coisas que todos vocês citaram.

A melhor forma de compensar o trabalho da autora é ler os textos, com atenção, até o final.

Abraços!

sblogonoff café disse...

VocÊ parece uma antena! E aqui é a TV.
Tudo que a antenta captar, meu coração captura!!!!

Sopro de Eves!

Pensamento aqui é Documento disse...

Rosildo!

Receber um elogio destes de você me deixa metida, rs.

Obrigada pela análise do texto, por ter captado a essência dele. =D
rs.

Você tá ficando melhor que eu em análises de obras, rs.

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Mi!

Captemos o mundo até que ele viva em nós, né?

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Obrigada pela visita, queridos!