sábado, 19 de dezembro de 2009

Ao meu motivo, sua breve história

Eu pedi emprestado, depois de ter ensaiado mentalmente. A distância entre um ponto e outro me ajudou na organização das palavras. Pensei, até, em conversar com o fiscal antes, mas ele estava rodeado de gente e por um receio maquiado de bloqueio me contive. Parei na fila já formada em frente a placa que dizia Vila Natal e pedi pra primeira moça. “Será que você tem 55 centavos?” Era baixa, cabelos pretos, pele manchada. Me encarou desconfiada. Expliquei. “Trabalho aqui perto”. Ela disse que passaria o cartão, lhe estendi as moedas que tinha. Disse que não liberaria duas passagens, era de empresa. Lamentei. E ela completou o valor.
Duas semanas depois, passei a catraca de um outro ônibus, que peguei no mesmo lugar. Desta vez não voltava, mas ia ao trabalho. Existiam vários bancos desocupados, mas escolhi o que aquela senhora sentava. A conhecia de outra viagem, de vista. Alta, tinha os cabelos crespos ralos e presos, era muito magra, tanto que os ossos marcavam. Tinha na pele um tom negro desbotado, sem cor. Pela fragilidade aparente ou por qualquer outro motivo inexplicável desejava uma conversa com ela. Ainda assim, sabia que o tempo era curto e que o assunto faltava. Seguimos viagem, eu com os meus pensamentos, ela não sei. Pude perceber apenas que mexia com as mãos discretamente, como se quisesse passar o tempo, seus dedos eram grandes e finos.
Alguém deu sinal, o ônibus parou e como de costume lancei um olhar aos recém-chegados. Entre eles, uma mulher baixa, cabelos pretos, pele manchada, conhecida. Esperei que sentasse perto de mim, procurei por minha carteira dentro da bolsa e agradeci por não ter gasto os últimos trocados na banca de doce. Arrumei a cédula na mão e virando o corpo para trás agradeci. “Você me emprestou uma condução um dia, que bom te ver, poder devolver.” Ela me disse não lembrar, a ajudei. Recusou então, eu insisti até aceitar, ouvi uma história sobre um empréstimo semelhante que havia feito e virei pra frente, assim como antes. Lá estava a mulher, ao meu lado.
Não demoraria a chegar, caso não tivesse trânsito. O motorista era ágil e parecia ter pressa, foi sobre isto que trocamos as primeiras palavras. Entre elas e as tantas outras um espaço de minutos. Respondia minhas perguntas como se eu já soubesse de sua história, deixando sempre o mais importante com detalhes. “Creusa.” Tem três filhos e um relógio que a desperta todos os dias às cinco da manhã. Depois de arrumá-los pra escola embarca no primeiro de três ônibus que a levam ao emprego, onde entra às 11h00. A saída da casa de família é às 17h00 da tarde, mas só chega em sua casa às 23h00 da noite. Não me disse se aceita ou recusa a oferta da patroa. “Ela sempre diz pra eu pegar alguma coisa, pq. fico muito tempo no ônibus”. Sei apenas que a minha aceitou, quando perguntei se gostava de maçãs.
Antes de descer, pude ver os seus olhos, quase de frente, eram grandes e redondos, desenhados por sobrancelhas finas e ralas. Vestia uma blusa vermelha gasta e mexia as mãos discretamente. Apertei o sinal e levantei, desci, mas não antes de me despedir e contemplar algo que ainda me esforço pra lembrar: seu sorriso.
...por qualquer outro motivo inexplicável desejei uma conversa com ela. E quando a tive preferi a sua história ao meu motivo.
Por Natália Oliveira

5 comentários:

Daniel Savio disse...

Menina, somos curiosos, nada mais justos em termos curiosidades pelo nossos semelhantes, mesmo que não sejam tão semelhantes assim...

Fique com Deus, menina Natália.
Um abraço.

Dayse Oliveira disse...

O outro é sempre um poço de possibilidades e que bom você estar aberta a conhecê-las. Qualquer crescimento só é possível quando olhamos para o lado... parabéns por fazer isso o tempo todo.

Denise disse...

Ei, você, aonde vai com tanta pressa?
Eu sei que você tem pouco tempo...Mas será que poderia me dar uns minutos da sua atenção?Percebo que há muita gente nas ruas, correndo como você.
Para onde vão todos?
Os shoppings estão lotados...Crianças são arrastadas por pais apressados, em meio ao torvelinho...
Há uma correria generalizada...
Alimentos e bebidas são armazenados...E os presentes, então?
São tantos a providenciar...
Entendo que você tenha pouco tempo.
Mas qual é o motivo dessa correria?
Percebo, também, luzes enfeitando vitrines, ruas, casas, árvores...
Mas confesso que vejo pouco brilho nos olhares...
Poucos sorrisos afáveis, pouca paciência para uma conversa fraternal...
É bonito ver luzes, cores, fartura...
Mas seria tão belo ver sorrisos francos...
Apertos de mãos demorados...
Abraços de ternura...
Mais gratidão...
Mais carinho...
Mais compaixão...
Talvez você nunca tenha notado que há pessoas que oferecem presentes por mero interesse...
Que há abraços frios e calculistas...
Que familiares se odeiam, sem a mínima disposição para a reconciliação.
Mas já que você me emprestou uns minutos do seu precioso tempo, gostaria de lhe perguntar novamente: para que tanta correria?
Em meio à agitação, sentado no meio-fio, um mendigo, ébrio, grita bem alto: "viva Jesus, feliz Natal"!
E os sóbrios comentam: "é louco!”.
E a cidade se prepara...
Será Natal.
Mas, para você que ainda tem tempo de meditar sobre o verdadeiro significado do Natal, ouso dizer:
O Natal não é apenas uma data festiva, é um modo de viver.
O Natal é a expressão da caridade...
E quem vive sem caridade desconhece o encanto do mar que incessantemente acaricia a praia, num vai-e-vem constante...
Natal é fraternidade...E a vida sem fraternidade é como um rio sem leito, uma noite sem luar, uma criança sem sorriso, uma estrela sem luz.
Mas o Natal também é união...
E a vida sem união é como um barco rachado, um pássaro de asas quebradas, um navegante perdido no oceano sem fim.
E, finalmente, o Natal é pura expressão do amor...
E a vida sem amor é desabilitada para a paz, porque em sua intimidade não sopra a brisa suave do amanhecer, nem se percebe o cenário multicolorido do crepúsculo.
Viver sem a paz é como navegar sem bússola em noite escura...
É desconhecer os caminhos que enaltecem a alma e dão sentido à vida.
Enfim, a vida sem amor...
Bem, a vida sem amor é mera ilusão.
Que este Natal seja, para você, mais que festas e troca de presentes...
Que possa ser um marco definitivo no seu modo de viver, conforme o modelo trazido pelo notável Mestre, cuja passagem pela Terra deu origem ao Natal...
Texto da Equipe de Redação do Momento Espírita.

sblogonoff café disse...

Não sei o seu tamanho. Sei que é grande por dentro.

Pensamento aqui é Documento disse...

Dani!

Nada mais gostoso, não?

-

Dê!

É verdade. Conhecimento compartilhado é soma.

-

Dê!

Lindo, texto. Lindo, mesmo. É preciso refletir.

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Mi!

Desconfio que você, por dentro, é grande também! Aliás, onde cabe tanta reflexão?

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Beijos, queridos!

Obrigada!