sábado, 28 de maio de 2011

Bailarinas


Ela arrumou o travesseiro dobrado embaixo da cabeça e olhou para a janela que, naquele momento, era metade cortina, metade fim de tarde. O sol aparecia tímido e frio atrás do prédio da rua vizinha e o céu azul se enrolava nas nuvens brancas em uma cumplicidade bonita. Sem desviar o olhar, puxou os cobertores para os ombros e sorriu para o que via.
Nunca foi de elogiar dias de inverno, mas sentia que, de uma forma coletiva, a criação se empenhava em experimentar o melhor que sabia, por que ela a contemplava. Como o ator que depois de tantos convites fracassados de repente vê a menina a ser conquistada na plateia sorrindo e por isso experimenta tudo que pode em um gesto só.
Feliz por ter um palco em sua janela, mexeu os pés vestidos de pantufas e riu para o silêncio tão falante daquilo que vivia. Virou o rosto, deixando os cabelos recém escovados escorregarem, e fechou os olhos para que as bailarinas, finalmente, deixassem a timidez e tirassem sua alma para dançar
Em um impulso de quem quer ficar, levantou e olhou de perto tudo aquilo de novo, antes que a noite brilhante chegasse com a lua no colo. E como quem está feliz verdadeiramente seguiu para a cozinha, alcançou o pote de torradas em cima da geladeira, lambuzou de manteiga meia dúzia de pedaços de pão torrado e por fim misturou preto e branco em uma xícara de porcelana que estampava o Cristo redentor.
Agarrou tudo, respirou fundo, sentou com as pernas de índio na cadeira e com um gole de felicidade genuína brindou a apresentação das bailarinas.

Por Natália Oliveira

6 comentários:

Alvaro Vianna disse...

Cara Natália! Adoro balés. Clássicos, sobretudo.

Beijos, minha amiga.

Unknown disse...

Senti, invariavelmente, a falta do bailar de suas letras...

Muito bom!!!

=D

Abraços!

s2...Ná...s2 disse...

Que texto mais gostoso de ler Nati! Lindo! Parabéns!

_Berdusco disse...

"...Em uma tarde de domingo, sentar no chão, ao pé da cama. Sem nenhum assunto aparente, só observar. Pintando as unhas ao mesmo tempo que vira a limonada, suja o canto da boca..."
Essa é a lembrança mais linda que tenho de você e da nossa infância.
Queria voltar no tempo pra ver onde as bailarinas estavam enquanto eu eternizava o momento.

Dayse Oliveira disse...

Perfeita! A sua capacidade de nos levar a viajar com seus pés é incrível... obrigada pelo presente!

Pensamento aqui é Documento disse...

Alvaro querido, balés são um encanto, né? Também adoro. Saudadocê.

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Rê!

Eu também sinto falta do despejar das palavras, mas acabo por me contentar com os mistérios do bailar.

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Obrigada, Ná!! =)

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Quando busco pelos valores reais da vida, as bailarinas me lembram daquele nosso encontro, de um simples e de um profundo inexplicável.

Amo vc e é pra sempre.

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Minha bonita.

Viajamos juntas sempre, ora com seus pés, ora com os meus.

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Beijos, queridos