Eu havia acabado de chegar em casa quando a campainha tocou, confesso que não lembro que horas eram, mas sei que quando abri a porta já estava bem mais escuro do que há cinco minutos.
Recebi o pedaço de papel que o homem me entregara e sem agüentar de curiosidade li, antes mesmo de fechar a porta. Fiquei parada por um tempo até me recompor. Seis anos. Minha prima me convidava para sua festa de aniversário de seis anos! A última vez que a vi, ela tinha apenas dois.
A semana correu de novo, e lá estávamos nós, pai, mãe e irmãos apertados e preocupados com os compromissos que tivemos que desmarcar. O carro que, um dia, serviu de cama em viagens longas, agora parecia uma caixa de fósforo.
Ainda bem que não demoramos muito para encontrar a rua, agora o prédio, me ajudem, número 39. Achamos. Descemos do carro e com as pernas doendo entramos no buffet repleto de bexigas. Olhei para o salão vasto de crianças e com vergonha perguntei: Quem destas é a Bia.
Ficamos intactos, parados como estátuas, cheios de vergonha. Não existiam sinalizadores, nem holofotes. Nenhum sinal da menina que vimos com dois anos, e agora? Resolvemos arriscar, desesperados disparamos parabéns. Elas se divertiam e logo entenderam que essa era a mais nova brincadeira. Eram abraçadas e voltavam para fila em meio a gargalhadas.
Cansados, paramos e foi só nessa hora que percebemos a presença de uma garotinha, que nos esperava pacientemente de braços abertos. Sua pele era branca e sua pequenina boca dava lugar ao mais lindo sorriso sem dentes que já vi. A abracei e percebi que ela sim era a Bia.
Tempos depois fiquei sabendo que minha tia sempre esteve no fundo daquele salão. Ela viu tudo, toda a cena. Nossos medos, nossas dúvidas e mesmo assim não nos ajudou. Deixou nossos rostos ficarem vermelhos, nossas mãos tremulas e não teve a coragem de estender a mão.
Depois desse dia nunca mais a procurei.
Depois desse dia nunca mais existiram festas de aniversário da Bia.
E isso tudo acontece, porque a gente cresce e abandona a criança que sacrifica os grandes brinquedos por risadas. Que quando são passadas para trás entram na fila de novo.
Perdemos a vontade de abrir os braços. Perdemos o que temos de melhor. Perdemos tempos demais.
Afinal, porque que a gente cresce?
Por Natália Oliveira
sexta-feira, 26 de setembro de 2008
quarta-feira, 10 de setembro de 2008
Meu ou nosso??
Hoje a caminho do trabalho, entrei no metrô. Como sempre, evitei os assentos de cor cinza que são de uso preferencial, para pessoas com restrição de mobilidade e blá, blá, blá.
Abri meu livro e como de costume desejei minha cama. Incrível como ler de manhã me dá sono. Ajeitei minha bolsa em meu colo e para não dormir passei a observar os passageiros ao meu redor.
No último banco do vagão uma senhora de cabelos brancos. Dois grandes brincos de argolas pendurados. Anéis em todos os dedos de suas mãos. Estranho.
Enfim a estação Campo Limpo. Levantei. Antes de descer a última gravação: O metrô é seu, denuncie qualquer ato de vandalismo. Não deixem estragar o que é nosso.
Ã?
Meu ou Nosso?
Seu ou meu?
Ã?
Estranho.
Por Natália Oliveira
Um Dia Desses
E eu tô de saco cheio, gritei. Bati a porta e assim que atravessei o portão senti o vento refrescar meu rosto. Atravessei a rua movimentada e, sem perceber que era observada, peguei o primeiro ônibus que parou.
Sentada ao lado de um desconhecido, travei uma conversa sem nexo algum. Falamos sobre futilidades, discutimos assuntos sem fundamento e rimos até nossos olhos encherem de água.
Cheguei ao ponto final feliz por não saber onde estava. Olhei pro céus, agradeci. Sem olhar para trás deixei minhas pernas decidirem meu destino.
Avistei nuvens verdes aos meus pés. Tirei meus sapatos. Larguei minha bolsa. Joguei para o alto todo o trabalho que tirou meu sono. Senti a natureza mais perto de mim, abracei.
A paz que tanto busquei vinha solta em forma de canto. Já não lembrava mais de nada. Meu trabalho, minha chefe, tudo tinha ficado para trás. Tudo.
Deitei e senti toda a energia daquela terra marrom forte. A sombra das árvores me cobria. As nuvens afastavam a luz do meu rosto. E eu adormeci.
Foi num dia desses...
Em uma quinta-feira qualquer...
A primeira noite que consegui sonhar com toda a coragem que me ensinaram não ter.
Por Natália Oliveira
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