Ela arrumou o travesseiro dobrado embaixo da cabeça e olhou para a janela que, naquele momento, era metade cortina, metade fim de tarde. O sol aparecia tímido e frio atrás do prédio da rua vizinha e o céu azul se enrolava nas nuvens brancas em uma cumplicidade bonita. Sem desviar o olhar, puxou os cobertores para os ombros e sorriu para o que via.
Nunca foi de elogiar dias de inverno, mas sentia que, de uma forma coletiva, a criação se empenhava em experimentar o melhor que sabia, por que ela a contemplava. Como o ator que depois de tantos convites fracassados de repente vê a menina a ser conquistada na plateia sorrindo e por isso experimenta tudo que pode em um gesto só.
Feliz por ter um palco em sua janela, mexeu os pés vestidos de pantufas e riu para o silêncio tão falante daquilo que vivia. Virou o rosto, deixando os cabelos recém escovados escorregarem, e fechou os olhos para que as bailarinas, finalmente, deixassem a timidez e tirassem sua alma para dançar
Em um impulso de quem quer ficar, levantou e olhou de perto tudo aquilo de novo, antes que a noite brilhante chegasse com a lua no colo. E como quem está feliz verdadeiramente seguiu para a cozinha, alcançou o pote de torradas em cima da geladeira, lambuzou de manteiga meia dúzia de pedaços de pão torrado e por fim misturou preto e branco em uma xícara de porcelana que estampava o Cristo redentor.
Agarrou tudo, respirou fundo, sentou com as pernas de índio na cadeira e com um gole de felicidade genuína brindou a apresentação das bailarinas.
Por Natália Oliveira