segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Ilhas

...Lugares, lugares, mesmo, eu conheço poucos. O que conheço são pessoas. De pessoas eu tenho histórias para contar, caso interesse. Amigos, claro, a gente convive e às vezes até vive os mesmos sentimentos, os mesmos gestos, as mesmas coisas, mas agora eu falo de gente. Gente que nasce nas esquinas, nos ônibus, nos bares, nos lugares que a gente vai e que nem percebe, muitas vezes, sabe? É disto que gosto. Lugares? Lugares você diz, né?Annn...
Tá. Eu gosto de explorar ilhas! Aquelas que ninguém olha, ou se olha não nota. O senhor me entende? Eu não escolho paisagens, mas eu gosto daquelas em que são mais difíceis o acesso, sabe? Aquelas que, surpreendentemente, as pessoas não visitam. Ou porque olham sempre, ou porque nem olham, porque evitam, não sei. E, se permite, gostaria de esclarecer, que não é porque não vão que quero, mas porque em ilhas as preciosidades são guardadas. Nunca olhei para uma ilha sem notar algo de maravilhoso nelas.
E, antes que acabe meu tempo, eu...Tô dispensada? Tudo bem. Eu gosto mesmo é de ilhas e me parece que o senhor é adepto de piscinas, né? A maioria das pessoas é e quer saber, é por isto que as ilhas continuam ilhas e é pelo mesmo motivo que continuam a procura por tesouros. Você conhece lugares, eu pessoas. Até um dia senhor.
Por Natália Oliveira

domingo, 17 de janeiro de 2010

Deixe Moedas

Combinei com ele que seria a minha despedida, por isto escolhi a coxinha maior e um pastel de queijo, que há tempos estava com vontade. Para matar a sede, doses de coca-cola em copos, que os bares servem pingados - aqueles médios, de boca larga, espessura grossa, listras em relevo. Escolhemos, desta vez, a mesa da frente, com mais cadeiras, mesmo em dois. Eram as mesmas de porcelana pintadas por pontinhos azuis e brancos num fundo cinza claro.
Tinha bastante gente ali, não perto de nós, mas em volta do balcão, o Chinezinho não parava de movimentar os braços em direção aos salgados e aos clientes. Lucraria bem naquela tarde. Observava e pensava, enquanto ele pedia mais um – é incrível como o pedido que faz é sempre mais gostoso. Na volta, com a bandejinha de ferro novamente cheia, conversamos sobre a tortura que seria seguir a dieta passada pela médica. “Nada de frituras, de refrigerantes, chocolates, frutas cítricas”. Maldito refluxo.
Chovia fino. Eu levava guarda-chuva, mas ele não sentiu necessidade de abri-lo e por fim julguei exagero. A loja de doces ficava no próximo quarteirão, ainda tínhamos que caminhar pela calçada de roupas coloridas, passar pela agência bancária e pelo vendedor de cocadas, então no final de tudo atravessaríamos a rua sentido ao nosso destino. Ao lugar que não poderia falta em minha despedida.
Em um dos passos, enxerguei aquele que já havia visto em qualquer outro dia ali. Vestia uma camisa azul royal rasgada, que estava segura no corpo por apenas um botão, preso a um palmo e meio abaixo do peito. As pernas estavam cobertas por uma calça jeans cáqui e os cabelos brancos contavam com um boné no mesmo tom. Estava sentado em algo parecido com um pedaço de madeira, bem menor que seus quadris, que o deixava a poucos centímetros do chão. Um dos braços balançava um pequeno pote amarelo, fundo, com as bordas arredondadas. Dentro, nada mais do que seis moedas de pouco valor.
Passamos reto. Num estalo pedi que parasse e então que esperasse um instante. Remexi o fundo da bolsa e segui em direção àquele. Um leve tilintar soou e a boca se abriu num sorriso. Agradeceu e eu ameacei voltar, ele me esperava, mas fiquei. “Onde o senhor mora?” Em Guaianazes, respondeu. Disse me ainda que usava metrô, tinha bilhete especial. “Mora sozinho?” E a boca novamente se abriu, mas desta vez tímida, num virar de rosto. “Não, eu tenho minha véia”. Compreendi e fiz uma última pergunta. “Qual o nome do senhor?” Antônio. “O mesmo do meu pai”, disse eufórica. O único dente apareceu de novo, torto, mas agora num sorriso grande, único como o seu botão, único como o seu dente.
Talvez não encontre mais Antônio, mas caso você o veja, mande lembranças minhas e se puder deixe moedas, o sorriso dele é capaz de comprar qualquer coração.
Por Natália Oliveira

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Num Mundo de Falsos Sãos

Entrei no ônibus e escolhi as primeiras cadeiras, assim como você pediu. Depois de alguns minutos, o motorista também entrou. Ele aparentava pouca idade e alguma religiosidade, antes de assumir o volante, fez o sinal da cruz. Era moreno, magro. Chovia e nós pegamos um pouco de trânsito nos primeiros momentos, mas quando todos os carros optaram pela via expressa, nós fomos pela outra e a velocidade aumentou.
Entrou muita gente depois que partimos, numa destas paradas entrou um homem. Negro de cabelos Rastafari, parecia que tinha feito há tempos, porque a raiz já aparecia com quase um dedo. Vestia uma camiseta sem mangas, amarela fosforescente e uma bermuda preta com alguns coloridos retos. Quando se aproximou um cheiro de corpo sujo invadiu de súbito minhas narinas.
Sentou ao meu lado com pernas e tronco virados para o corredor. Levantou o braço esquerdo e com a mão segurou o corrimão que crescia em nossa frente. Estava ao meu lado, mas era como se ignorasse minha presença ali. Tinha duas pulseiras iguais de cor marrom, uma em cada pulso. Largas com aspecto de madeira. Eram em relevo, uns pontiagudos.
Segurava um carrinho na mão. Era preto e estava envolto na embalagem original. Ele olhava o brinquedo e falava. Sua voz não parecia a de um adulto, era semelhante a de um desenho animado. Falava alto e sozinho. Ora parava e olhava fixamente para frente e então ria, balançando os ombros. Em certo momento, o único que se virou para o meu lado, olhou em direção a janela que eu encostava e num resmungo falou: “tomara Deus que eu não esqueça. Andréia era uma menina especial”.
Em seguida ofereceu lugar a uma senhora que chegara, a voz era clara de um adulto, fez isto girando em uma das mãos um brinco em forma de argola, era dourada. A mulher recusou, mas depois de poucos minutos ele levantou. Desceu os dois primeiros degraus da porta dianteira, há virou o corpo, como se fosse subi-los de novo, mas em vez disto estendeu os braços na altura dos ombros, flexionou as pernas e passou a soltar gritinhos. “Uuuu” “Uuuuu”. Logo substitui estes por algumas risadas curtas que começavam por um sonoro A e seguiam de seqüenciais Is. “A i i i i”. Parecia surfar.
O acrílico o separava de um menino ainda novo. Pele branca, magro, cabelos pretos penteados para um só lado. O garoto parecia não prestar atenção no homem, mas ele o viu. Como se voltasse de um transe, num movimento brusco segurou no corrimão próximo e colocou a cabeça próxima das mãos jovens que mexiam. “Quebrou ai amigão?” O menino respondeu que o fecho do chaveiro havia quebrado e que tentava consertar. O homem, então, saltou os degraus, aproximou do banco do rapazinho, levantou a camiseta, deixando aparecer parte de suas nádegas, levou uma das mãos à cintura e disse “eu também quebrei este. Sabe o que você faz? Chega em casa...”
A mulher ao meu lado parecia tensa. Conversamos um pouco, mas pude ouvi-lo dizer, ainda, ao cobrador que queria descer. Antes, lhe desejou bom trabalho, uma boa noite. Repetiu mais de uma vez, como se quisesse formalizar seu pedido. Sua voz agora era clara e sem o menor indício de loucura, mas ainda segurava o carrinho nas mãos.
"Há na loucura um prazer que só os loucos conhecem." (John Dryden)
Por Natália Oliveira

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Haiti - Ajude

A morte é o meio de arrancar parte da gente, quando leva o outro por inteiro

Telefones O Ministério das Relações Exteriores informou que funcionários do governo vão fornecer, por telefone, informações sobre brasileiros que estão no Haiti. Os telefones divulgados pelo Itamaraty são:
(61) 3411-8803 (61) 3411-8805 (61) 3411-8808 (61) 3411-9718 (61) 8197-2284
Doações
A Embaixada da República do Haiti está arrecadando doações em dinheiro. Para colaborar, podem ser feitos depósitos ou transferências de qualquer banco, mesmo de fora do Brasil, para a conta corrente abaixo: Nome: Embaixada da República do Haiti Banco: Banco do Brasil Agência: 1606-3 CC: 91000-7 CNPJ: 04170237/0001-71
O Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) também recebe doações só em dinheiro. A entidade não recebe outros tipos de doações em função da dificuldade de enviá-las ao país. Dados para depósitos ou transferências: Nome: Comitê Internacional da Cruz Vermelha Banco: HSBCAgência: 1276 CC: 14526-84 CNPJ: 04359688/0001-51
O Viva Rio, que está desde 2004 no Haiti, onde desenvolve projetos sociais ligados às áreas de segurança, desenvolvimento e meio ambiente, também abriu uma conta para quem quer fazer doações às vítimas do terremoto: Banco: Banco do Brasil Agência: 1769-8 CC: 5113-6 CNPJ: 00343941/0001-28
** Apocalipse 21.4: “E Deus limpará de seus olhos toda lágrima, e não haverá mais morte, nem pranto, nem clamor, nem dor, porque já as primeiras coisas são passadas”.
Por Natália Oliveira

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Amar não Basta

Diga que me ama e prove isto. Diga que me ama e me leve para jantar, para ver o mar, para comer o que eu gosto e fique comigo vendo a hora passar. Me traga chocolates e me chame de linda até eu me cansar. Coloque nossa foto em sua carteira, mostre a ela aos seus amigos e diga que eu sou a mulher da sua vida. Escolha a aliança mais bonita e embrulhe em papel de seda antes de me dar. Diga que me ama, que me quer, que me deseja, sim faça isto. Faça, mas não esqueça: se me amar apenas, não bastará.
Amor por amor é pouco. Amar para mim não basta, é preciso muito mais. É preciso que respeite o meu silêncio, o meu barulho, a minha ausência. Mesmo quando a minha ausência seja de corpo e desejo. Mesmo quando a minha ausência seja de mim e de você. É preciso que respeite. É preciso que respeite a minha solidão e o meu desejo por multidão. É preciso que respeite minha gargalhada alta, a minha compulsão por chocolate, o meu lado infantil e a minha falta de sensualidade. É preciso que me respeite.
Diga que me ama e prove isto.
Amor, amor de amor para mim tem que ser amor de amigo. Aquele que a gente sente porque conhece cada detalhe da vida do outro e mesmo assim ama sem fazer esforço. Por isto diga que me ama e prove isto. Respeite-me.
Por Natália Oliveira